Battle Royale
バトルロワイアル
Realizado por Fukasaku Kinji
Japão, 2000 Cor – 114 min.
Com: Fujiwara Tatsuya, Maeda Aki, 'Beat' Takeshi, Yamamoto Taro, Ando Masanobu, Shibasaki Kou, Kuriyama Chiaki, Baba Takako, Gou Shirou, Hanamura Satomi, Hirokawa Shigeki
drama comédia ficção científica romance
No Japão, pouco depois da viragem para o Séc. XXI, a recessão económica e as elevadas taxas de desemprego agravam um conflito de gerações que leva os jovens a rebelarem-se contra o poder instituído – dos "adultos". Para tentar controlar a situação, o governo decide aprovar uma lei que passará a ser conhecida como a "Lei BR". O programa "Battle Royale" consiste em sortear uma turma de um qualquer liceu do país, transportá-la para uma ilha deserta e forçar os alunos a um jogo bué radical:

Battle Royale
O prazer infantil da vitória.
– Só pode haver um vencedor;
– O vencedor terá de ser o único sobrevivente;
– Se em três dias existir mais de um participante vivo, todos perdem (o jogo e a vida).

Assim, cada um dos 42 alunos e alunas recebe um saco de conteúdo aleatório (para equilibrar as vantagens naturais) que pode consistir numa arma letal ou numa grande inutilidade, como uma tampa de panela ou um corta-unhas. Em seguida são entregues à sua sorte e que comece a matança.

«Battle Royale» levantou grande polémica no Japão, não pela violência gráfica, a qual não é mais elevada do que a presente em muitos outros thrillers ou filmes de horror nipónicos, mas pela temática, i.e, a mensagem social e política que apresenta, por detrás do jogo mortal. O facto da história não ter optado pela aproximação (sempre actual) de um formato reality show, com cobertura televisiva ou para entretenimento das massas, mas antes apresentar o grupo de jovens forçados a dizimarem-se por virtude de uma solução política, para fazer face à contestação perante a situação socio-económica, em muito poderá justificar o burburinho que se gerou, que passou inclusive pela vontade em tentar censurar ou proibir a exibição do filme. A polémica, como quase sempre sucede, serviu apenas para promover e aumentar as receitas de bilheteira de uma obra que, alguns meses depois, foi relançada com uma nova montagem e mais cenas.

Noriko e Shuya
Noriko (Maeda) e Shuya (Fujiwara).
A matança e a violência geral patentes no filme surgem em contextos dramáticos de valor oposto; do drama à comédia. Para muitos espectadores, talvez se fique entre o horror e o drama, mas não é só o vídeo com as instruções, apresentado por uma menina com uma voz de boneco de anime, e as respostas, na sala, por parte do professor Kitano (o próprio 'Beat' Takeshi), que tenta entusiasmar os alunos horrorizados, sem ainda terem conseguido aceitar a situação, que se pode englobar no conceito de "comédia". De 6 em 6 horas, apresentam-se resultados do combate e sempre que alguém morre o seu nome e número de estudante aparece no ecrã.

O "gore" não é particularmente forte para o standard do cinema Japonês mais condimentado, como acima referi, mas há muito sangue a espirrar defronte da câmara, sem que se abuse de desmembramentos ou decapitações (apesar dos alunos serem controlados por um colar explosivo, algo já usado noutros filmes série B e que constitui um sistema similar a algo já implementado no mundo real, como medida de coacção, mas na forma de pulseiras, discretas e sem efeitos letais).

Chigusa
Chigusa (Kuriyama) não quer um namorado novo.
Poder-se-ia dizer que o filme quase se esgota na sua premissa: um grupo de jovens a matarem-se uns aos outros. Mas os esquemas de sobrevivência que se geram, com a formação de grupos – cuja integridade será posta à prova –, na prossecução de interesses pontuais de defesa física ou para obtenção de armas e comida, bem com uma série de relações amorosas e de amizade, condenadas à extinção, são elementos que vêm adensar a narrativa. Haveria muito a desenvolver em termos de relações sentimentais (ele ama-a, mas tem de lhe cortar a cabeça, etc.), mas «Battle Royale» não perde muito tempo com sentimentalismos, remetendo o mais previsível e incontornável destes cenários para um flashback, havendo uma preocupação maior nas cenas de eliminação da concorrência, acompanhadas por uma banda sonora com música clássica relaxante, que poderíamos estar a ouvir enquanto bebericamos um martini, confortáveis num sofá, à espera de mesa no restaurante. Por outro lado, os esfaqueamentos, degolações, rebentamentos, varrimentos por metralhadora, ou outras mortes mais simples e menos gráficas, não são estilizadas com infindáveis câmaras lentas ou ângulos modernaços em lentes que distorcem a perspectiva.

«Battle Royale» consegue apresentar uma galeria diversificada de personagens, com reacções e estratégias de combate ou resistência (ou de desistência) variadas, um pouco como um jogo de computador shoot-'em-up mais complexo, de onde se destacam, desde logo, opositores mais sanguinários, entre os quais se inclui Mitsuko (Shibasaki), uma jovem que se encontra naqueles dias do mês, preocupada com a maquilhagem e particularmente satisfeita em mutilar rapazes. A caracterização de algumas personagens é cuidada, geralmente realista, sem que caminhe muito para o caricatural. Num extremo, temos alguns verdadeiros psicóticos, no outro, temos o casal puro e inocente – Shuya (Fujiwara) e Noriko (Maeda) –; aqueles que, acima de quaisquer outros, nos levam a dizer que não merecem “mesmo” estar metidos naquilo. No meio, uma série de jovens normais, que tentam lidar o melhor que podem com uma situação extrema. «Battle Royale» é um bem sucedido pacote duplo: é divertido, sentimental e com uma grande componente de entretenimento, mas também oferece algo sobre que reflectir, no contexto das sociedades “modernas”, do Século XXI.

4

Vd. texto de Hugo Gomes

Disponível em DVD de Hong Kong (Universe, R3), formato de ecrã original, não optimizado para 16:9. Som japonês (Dolby 2.0, Dolby 5.1 e DTS 5.1) e legendas removíveis em inglês e chinês. DVD do Reino Unido (Tartan, R0), anamórfico. Nada menos do que três versões: a primeira, uma segunda que destacava o "varrimento progressivo" (em NTSC), alegadamente com melhor qualidade de imagem, e a última que pega na edição especial japonesa, com cenas extras e mais violência acrescentada digitalmente (um conceito deveras idiota, na minha opinião). As transferências vídeo das edições especiais são reputadamente um pouco piores do que a transferência da versão original. Edições japonesas a preços pouco recomendáveis. Há também um DVD nacional. Muitas opções.

publicado online em 1/12/02

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