Seon-jae (Kim Hye-su), uma médica oftalmologista convertida em dona de casa, muda-se para um velho apartamento com a filha, Tae-su (Park), depois de descobrir que o marido, Seong-jun (Lee), tem uma amante. Ao viajar no metro encontra um par de sapatos cor-de-rosa e leva-os com ela. Os sapatos despertam em todo o elenco feminino um desejo irracional pela sua posse, que culmina em mortes violentas e inexplicáveis.
Nos últimos anos, o cinema de horror coreano tem procurado diversificar-se, mas só temos anotado variações no que toca à origem do terror — o objecto possuído ou as razões que motivam a vingança de algum espírito —, i.e., aquilo que durante uma reunião alguém apontou para vender o produto. “Sapatos assassinos. Mulheres obcecadas por um par de sapatos. Sapatos. Sangue.” Como não aprovar o projecto?
«The Red Shoes» 1 vem competir num mercado onde temos encontrado árvores, perucas e bonecos assassinos. Mas rejeitemos preconceitos de género e de adereços de cena. Porque é que um filme sobre uma peruca assassina não pode ser interessante, mesmo que, lendo a sinopse, possa parecer comédia? Em todo o caso, não estamos perante “sapatos assassinos”, no sentido em que ganhem vida e calquem alguém até à morte.
O que mata, afinal, é a posse dos sapatos, ou melhor, a vaidade e inveja, que leva alguém a querer apropriar-se deles. Conforme revelam os flashbacks, a possessão teve origem (nenhuma surpresa por aqui) na morte da proprietária original dos sapatos, décadas atrás, durante a ocupação japonesa da Coreia. Ainda que se possa identificar uma metáfora sobre o consumismo ou a futilidade do culto das aparências na sociedade moderna, duvida-se que seja isso a ficar retido na memória do espectador médio.
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Depois de encontrar um par de sapatos cor-de-rosa, a vida de Seon-jae (Kim Hye-su) torna-se um verdadeiro inferno. |
Kim Yong-gyun dirigiu «Wanee and Junha» (2001), um sólido drama sobre a relação de um casal. Num registo tão diferente e específico, que tipo de expectativas poderíamos ter? A sensibilidade que mostrou no filme anterior poderia indiciar um filme de horror bem sustido em dramas pessoais, mas Kim luta com um texto demasiado emaranhado e que, por muito que se esforce por deixar uma marca, tem dificuldades em soltar-se de convenções inimigas da imaginação.
Ainda assim, restam laivos do filme que poderia ter sido, com um texto mais fluído e maior desenvolvimento das relações entre as personagens. Destas, fica a histeria e pouco mais (ainda que tenhamos alguma tolerância a comportamentos socialmente repreensíveis por parte de indivíduos possuídos por espíritos ou por Satanás). Kim Hye-su é competente, escolhendo outro papel pouco "limpo e seguro", depois de «Hypnotized» («Eolguleopneun Minyeo»), do ano anterior. As figuras que a rodeiam pouco são mais do que adereços: o interesse romântico (In-cheol, interpretado por Kim Seong-su) parece saído de um anúncio de seguros ou refrigerantes destinado a mulheres de meia-idade.
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A pequena Tae-su (Park Yeon-a) também não resiste ao poder de atracção dos sapatos, apesar de não serem o seu número. |
O design visual é mais refinado do que o costume num género normalmente de baixo orçamento e produção rápida. A violência, por vezes extrema — levou Kyu Kyun Kim a falar num “estilo Lucio Fulci” 2 — também pode deixar marca em alguns. A qualidade da fotografia (e/ou do tratamento da imagem em pós-produção) sugere que um visionamento em grande ecrã poderia desculpar mais alguns defeitos do filme.
A versão classificada para maiores de 18 anos, disponível no DVD sul-coreano, é mais violenta, com momentos que muitos não hesitariam em classificar de doentios, como o plano longo de uma perna a ser cortada num vidro partido. A montagem é também diferente, mas não é fácil tecer comparações qualitativas pois o produtor não disponibilizou legendas em inglês no segundo disco da edição visionada.
Breve comparativo de versões (spoilers) »»
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1 Apesar do título, os sapatos são cor-de-rosa.
2 Na secção dedicada ao cinema coreano do site OhmyNews, onde o autor comenta também as diferenças entre as duas versões.
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