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PiFan 2006
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3. Ásia (outros)

«Beneath the Cogon», das Filipinas, tenta uma simbiose entre o filme de acção e o de horror. Arranca com um assalto e fuga de um par de criminosos que são posteriormente perseguidos por quem os contratou. Não se percebe porque é que a personagem central tem de enfrentar os homens do patrão, se não tem intenção de guardar o saque, para além de que o guião pede tiroteios e pancadaria.

Rico Maria Ilarde
O realizador Rico Maria Ilarde, no final da projecção de «Beneath the Cogon».
A fuga vai levar o protagonista a uma casa isolada e abandonada onde encontra registos de experiências de um cientista. Entretanto, anda algo por ali, no meio da vegetação, pouco interessado em fazer amigos com desconhecidos.

O filme tem os seus momentos e não é aborrecido, mas sofre com o pendor "académico" do cruzamento genético entre dois géneros e não beneficia com a imagem em vídeo digital, por vezes escura e pouco definida.

Horror (ainda) menos interessante veio da China: «Clay Fear» («Taoqi Ren Xing») é mais uma tentativa mal sucedida neste campo. Cinema comercial ou de género não poderá funcionar melhor enquanto o regime não aligeirar certas regras no âmbito da censura, sobretudo a obrigatoriedade dos criminosos serem punidos ou presos e a rejeição do sobrenatural.

Com tais limitações, o que esperar de um filme de terror chinês? Já se sabe que o desfecho não trará grandes surpresas e, por muita habilidade que o realizador possa ter, não se sustenta todo um género em alucinações ou em psicanálise. (12)

«Clay Fear» é também pouco convincente, no que toca às motivações das personagens, e improvável desde a sua premissa, quando a personagem central perde as memórias do dia em que um amigo e sócio morreu queimado. As “surpreendentes” revelações finais são um pobre artifício.

O realizador Zhang Jiabei estudou no Japão, mas não sentimos particular influência do horror japonês, aparte a utilização de uma máscara que nos recorda de «Onibaba» (1964), de Shindo Kaneto. O elenco inclui a japonesa Ito Ayumi e o director de fotografia é também nipónico. No entanto, são regras da RPC que mais vincam o filme.

A entrada de Taiwan não fez muito pelo cinema chinês apresentado no festival. «Bardo» incluía-se na “Forbidden Zone”, mas não tinha nada que justificasse a classificação etária máxima. Pretendia ilustrar o sofrimento humano próximo da morte, em cenários dantescos, apocalípticos, repleto de abstracções e corpos cobertos de sangue e de lama. Dividido em três histórias, qual delas a mais indutora de sono. A fonte vídeo não ajudou. Quer dizer, dêem-nos filmes aborrecidos com poesia abstracta sangrenta, mas em 35mm e bem iluminado.

Ghost of Mae Nak
Poster do filme tailandês «Ghost of Mae Nak».
Um típico filme de horror com fantasmas femininos de longos cabelos negros a cobrirem ocasionalmente seus rostos, veio, desta vez, da Tailândia. «Ghost of Mae Nak» é realizado pelo britânico Mark Duffield, mas é, aos nossos olhos, indistinto de qualquer outro originado localmente; seja pela linguagem cinematográfica ou pelo facto de se socorrer de uma história tradicional e usar apenas actores tailandeses.

Esta história foi já adaptada várias vezes para cinema e televisão, sendo «Nang Nak» (1999), de Nonzee Nimibutr, o exemplo mais conhecido internacionalmente. Há uma centena de anos, um casal feliz — apesar dela já estar morta —, é separado à força pelos aldeões. Ela vinga-se e, no tempo actual, continua ainda activa, ajudando dois noivos a livrarem-se dos intrujões que os rodeiam. Em troca, espera que a ajudem a libertar-se da maldição. Como, não é exactamente uma surpresa: falta-lhe um bocado de osso na testa, é impossível não notar tal pormenor.

Sem nada de particularmente marcante, registam-se alguns momentos com boa utilização de efeitos de maquilhagem. O aparato com que algumas mortes são filmadas quase remete para o campo da comédia (quando se enquadram espetos, grelhadores, etc., já sabemos que vai acontecer uma desgraça culinária). O ponto alto é uma bissecção em plena rua. Por outro lado, os efeitos digitais não funcionam tão bem — e o facto da projecção ser full frame com mattes da câmara a surgirem em todos os planos trabalhados digitalmente não ajudou.

The Maid
«The Maid», de Kelvin Tong (Singapura), não deixando de ser um entertaining filme de género, também não trouxe novidades no campo do cinema de horror. Durante o sétimo mês do calendário chinês, as portas do inferno estão abertas e é preciso respeitar certos rituais. Rosa, imigrante das Filipinas, a trabalhar para um casal chinês que possui um espectáculo de ópera tradicional, desconhece e desrespeita as práticas, e passa a ver fantasmas em toda a parte. Entretanto, há um mistério no ar: o que sucedeu com a anterior empregada da família?

O filme foi muito bem recebido em Singapura, batendo records de bilheteira na data de estreia, suplantando outra produção da MediaCorp Raintree Pictures, «The Eye». O sucesso foi suficiente para suscitar interesse para mais um remake de Hollywood.

Este foi um dos filmes referidos no guia como tendo legendas em inglês, sem que tal correspondesse à verdade. Havia apenas legendas impressas em coreano. A maioria dos diálogos era em inglês, mas uns 20% eram noutras línguas e dialectos.


4. Euro-horror

Alguns por escolha, outros como forçada segunda opção, chegados a uma sala em que o filme programado afinal não tem legendas em inglês, eis quatro títulos de horror made in Europe vistos no PiFan. Não houve intenção de evitar obras americanas, mas acabou por não haver oportunidade para tal.

Lamberto Bava fez parte do júri internacional e alguns dos seus filmes foram também integrados na Italian Horror Gala. Esta secção incluía oito títulos; quatro de Mario Bava e quatro de Lamberto Bava. Os filmes de Bava filho incluiam os clássicos «Macabro» (1980) e «Demoni» (1985). Vimos os mais recentes «The Torturer» (2005) e «Ghost Son» (2006), este último uma co-produção entre a Itália, África do Sul e Espanha. Aparentemente, também nenhum dos filmes de Mario Bava viria a ter legendagem em inglês, ao contrário do que indicado no infeliz guia.

Quem vai ver um filme chamado «The Torturer» não espera um drama familiar ou uma comédia ligeira. Num festival de cinema fantástico não faltarão o que se preparam para o apreciar pela sua componente plástica — leia-se gore. Um dos aspectos interessantes em relação ao público de cinema sul-coreano é parecer mais ou menos indistinto, independentemente dos filmes ou dos festivais. Ou, dito de outro modo, não conseguimos isolar entre a audiência deste filme os habituais fãs do género, mas um público igual ao de outras sessões, com muitos grupos de jovens bem vestidas.

«The Torturer» com toda a sua propagandeada malícia — despir mulheres e torturá-las — não provocou reacções mais fortes na sala do que um par de filmes de fantasmas orientais que pouco mais fazem do que caras feias. Não se trata de uma questão cultural, mas de um péssimo filme (na verdade, um vídeo), sem nada que o redima.

Ghost Son
Laura Herring em «Ghost Son», de Lamberto Bava.
Demasiado low budget para carregar no gore, pretende-se muito mal comportado com as vítimas, mas revela-se soft na violência e no “erotismo”. Há uns cortes e uns piercings, mas as personagens são descartáveis, o vilão indescritível (não lhe falta puxar bem fundo gargalhas típicas de vilão) e a lógica escassa.

Há que frisar que existe violência no filme, alguma mais forte do que a outra. Mas os efeitos limitados, a má direcção e a artificialidade geral, não fazem com que sejam chocantes, apenas ridículos. O filme como que quer ser mesmo “só para estômagos fortes”, mas todas as vítimas têm o direito de manter algumas partes do corpo cobertas, como se espetar ganchos no torso fosse aceitável, mas não nudez integral.

O outro filme de Lamberto Bava tinha outros valores de produção (35mm, scope) — OK, dispensávamos ver cabos numa certa cena, mas ninguém é perfeito — e, sobretudo, personagens. Na verdade, conseguiu que o levássemos a sério apesar da premissa envolver um bebé possuído (?) que anda por ali a gatinhar, chega a dizer umas palavras (fear not, não é dobrado por Bruce Willis) e ainda se entusiasma um bocado demais quando mama. Sem dúvida que o elenco ajuda: Laura Elena Harring, John Hanna e Pete Postlethwaite.

Passado na África do Sul, «Ghost Son» enquadra os momentos de inicial felicidade de um casal, mas tradições e crendices locais sugerem que algo de terrível vai acontecer e, pouco depois, Bava presenteia-nos com uma cena difícil de digerir — mais do que tudo junto em «The Torturer». Mas não se espere demasiado. É um filme de género, sem nada de extraordinário. Estamos demasiado habituados a clones de clones e este é um filme que se aprecia pelo que é.

Tears of Kali
«Tears of Kali», prólogo.
«Strip Mind» é um thriller banalíssimo e fora de tempo. Já o vimos com outras personagens e cenários. Não sendo particularmente bem feito nem tendo interpretações notáveis — pelo contrário, ninguém parece muito ciente do que anda por ali a fazer — acaba por nos deixar a sensação de tempo perdido.

Explicar porque é que «Strip Mind» é banal implicava ir até à sua conclusão, por isso tenham paciência e acreditem. O título já sugere que nem tudo o que parece é, por isso, já terão uma ideia. Em poucas palavras, a protagonista, estudante universitária, é assolada por visões e fantasmas (?) e regista coisas com pouco sentido que a levam a investigar o que se pensa à sua volta.

«Tears of Kali», o outro título alemão, é muito mais interessante, havendo apenas que lamentar o look “vídeo dos pobres” ainda por cima distorcido, provavelmente na projecção. Devia haver algo que garantisse que um projecto com meios, história e actores tivesse direito a película ou, pelo menos, vídeo digital de qualidade. Foi um dos cinco filmes incluído na “Forbidden Zone”.

Subtitulado “the dark side of new age”, «Tears of Kali» refere-se a indivíduos que partiram para a Índia em busca de iluminação espiritual, mas que acabaram por formar grupos que se envolveram em práticas extremas. Uma das razões pela qual o filme funciona é a referência constante ao grupo Taylor-Eriksson, sem que a narrativa seja directamente sobre as suas actividades. Fraccionado em três histórias, mas com coesão interna, arranca com um intrigante prólogo em que uma mulher corta as próprias pálpebras para se obrigar a enfrentar a luz do sol.

Os momentos iniciais, com um registo de investigação e psicologia, tornam particularmente sólida a transposição para o horror, quando demónios se tornam carne. Recordou-me os contos horríficos de Clive Barker, pela sua natureza simultaneamente fantástica, visceral, mas credível e envolvente (13).


Fotos aleatórias. Clique para ampliar.
1,1-3: Interior do CGV Bucheon. 1,4-5 e 3,1: Interior do Primus. 2,1: Traseiras da Câmara Municipal. 2,2: À espera do autocarro. 2,3-4: Ojeong Art Hall, incluindo uma performance de voluntários que não entendi (não legendada). 3,2: Metro de Jongno-3-ga, no centro de Seoul, um local possível para mudar para a Linha 1, para Bucheon. 4,1: Performance tradicional no hall da Câmara Municipal. 4,2-4 e 5,2: Boksagol Cultural Center. 4,5, 5,3-4: City Hall. Restantes fotos das ruas de Bucheon.


III — Palmarés

PiFan2006 Puchon Choice (Feature)

Best of Puchon: «Adam's Apples» (Dinamarca), Anders Thomas Jensen

Best Director Choice: «Storm» (Suécia), Mans Marlind e Bjorn Stein

Jury's Choice: «Severance» (Reino Unido), Christopher Smith

Best Actor Choice: Ulrich Thomsen e Mad Mikkelsen, «Adam's Apples»

Best Actress Choice: Kazue Fukiishi, «Noriko's Dinner Table» (Japão), Sono Sion

Pruzio Citizen's Choice: «Noriko's Dinner Table»


PiFan2006 Puchon Choice (Shorts)

Grand Prize of Short Film: «It's in the Air» (França), Yohann Gloaguen

Jury's Choice for Short Film: «Cutting Edge» (França), Gregory Morin

Citizen's Choice for short Film: «Lock-Smith» (Coreia do Sul), Park Jae-hong

Kid's Special Choice: «Tori & Rabi» (Coreia do Sul), Choi Jae-jin

EFFFF - European Fantastic Film Festival Federation Asian Award: «The Maid» (Singapura), Kelvin Tong

Korean Foundation
Com o apoio da Korea Foundation


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(12) Recorde-se o também decepcionante «Suffocation», apresentado em Udine 2005, apresentado como o primeiro título do género a ser produzido na República Popular da China.

(13) O britânico Clive Barker é autor de uma extensa obra literária no campo do horror, iniciada em meados dos anos 80 com as colecções de contos "Books of Blood". Barker dirigiu o primeiro «Hellraiser» (1987), mas, de um modo geral, outras adaptações dos seus textos para o cinema não foram muito bem sucedidas.

4/08/06

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