Sang-woo (Yu) é levado pela mãe (Dong), da capital, Seul, para a casa da avó (Kim), situada numa aldeia isolada no campo, constituída por meia dúzia de casas, afastadas umas das outras. Song-woo, de 7 anos, aborrece-se com a vida no campo, principalmente depois de acabarem as baterias do jogo electrónico portátil. A septuagenária é muda, pelo que a comunicação com a criança – que vê então pela primeira vez – é redobradamente complicada. Mas ela mostra-se muito paciente face ao comportamento abusivo e desrespeitador do neto, que terá de tentar suportar enquanto a mãe procura emprego na cidade.
«The Way Home», a obra de Lee Jung-hyang que se seguiu à comédia romântica light «Misulgwan-yeob Dongmul-won» [Art Museum by the Zoo], foi um sucesso surpresa na Coreia do Sul, em 2002, ao bater blockbusters locais e de Hollywood, com um orçamento irrisório, sem estrelas e uma história simples e discreta, sobre a relação que se desenvolve entre uma criança da cidade e a avó muda (ele com 7 anos, ela com setenta e sete), num cenário campestre. Entre os títulos de produção local, «The Way Home» situou-se logo abaixo de «Marrying the Mafia» e na quarta posição do top geral, depois dos blockbusters de Harry Potter e do Senhor dos Anéis, mas acima de títulos como «Minority Report» e «Spider-Man» [dados Koreanfilm.org], tendo sido adquirido para distribuição pela Paramount, para o mercado americano.
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Sang-woo e a mãe a caminho da aldeia, onde o miúdo ficará ao cuidado da avó. |
Numa narrativa que dificilmente poderia ser mais simples e despida de artifícios, uma constipação é um ponto alto. Sang-woo é “abandonado” no campo, numa velha casa, aparentemente isolada da civilização moderna. Antes de chegar, já o ouvimos a reclamar por tudo e por nada; é um fedelho mimado, atrevido e refilão e aguardamos o momento do castigo merecido que nos trará alguns sorrisos (uns tabefes bem aplicados), pelo menos no momento em que choraminga por uma refeição de “kentucky chicken”. Persiste em ignorar a avó (quando não a insulta) e isola-se, rodeado com os seus brinquedos de menino da cidade. Apesar dos insultos, a anciã tudo suporta e tenta fazer-lhe as vontades, na medida do possível, o que implica alguns sacrifícios físicos e económicos. Não é surpresa dizer que gradualmente os dois se vão aproximando, um processo que é ilustrado por momentos mais ou menos emotivos (não particularmente pronunciados na escala Kleenex).
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De costas voltadas: um conflito geracional e cidade-campo. |
Nesta sua segunda longa-metragem, Lee Jung-hyang recrutou um elenco maioritariamente de amadores, onde a curiosa excepção é o pequeno Yu Seung-ho, que já havia trabalhado numa série de TV. Kim Eul-bun, que interpreta a avó, foi descoberta numa aldeia próxima do local escolhido para as rodagens. É certo que um filme desta natureza consegue lidar melhor com não-actores (por comparação com, digamos, uma peça de Shakespeare), mas a eficácia do desempenho da senhora Kim é mais digna de mérito depois de sabermos que ela nunca tinha visto um filme na sua vida.
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Sang-woo começa a apreciar a vida no campo. À direita com a nova amiga, Hae-yeon (Yim Eun-kyung). |
O texto intercala os momentos entre avó e neto com tentativas de interacção com duas crianças da aldeia, um miúdo e uma miúda, depois do período inicial em que Sang-woo não quer ver ninguém à frente (pela altura em que acabam as pilhas e constata que os patins em linha não têm terreno muito favorável por ali), mas nunca nos afastamos por muito tempo do essencial da história, concebida de forma naturalista, transmitindo a sensação de que o argumento não é uma fabricação artística, mas um registo directo de uma fatia de vida real. Bom, na vida real as crianças de 7 anos talvez não se venham a revelar sensíveis, sinceras e carinhosas, semanas depois de as vermos como fedelhos irritantes, mas o talento da argumentista e realizadora é conseguir convencer-nos dessa evolução, por forma a que no final do filme já não queiramos que Sang-woo parta uma perna, caia numa gruta escura e morra à fome, nem sequer que esfole os joelhos (coitado).
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Sem forçar artificialmente respostas emocionais por parte da audiência, sem violinos sensíveis estridentes no score musical ou abraços e lágrimas em slow motion, Lee constrói ardilosamente uma conclusão para a sua história, sem se afastar da simplicidade e do registo low profile que polvilha o resto da obra. Por aqui se constata que um filme muito barato e sem estrelas consegue levar o público às salas de cinema, ao mesmo tempo que permanece, do prisma artístico, uma obra a que dificilmente conseguimos apontar defeitos. Lee nunca é manipulativa – ou pelo menos não o é com mão pesada – e aquilo que pode realmente falhar é a resposta de alguns ao tom assumidamente despretensioso e à estrutura liberta de conflito externo. Trata-se pois de um filme que pode funcionar melhor ou pior consoante a resposta emocional por parte de cada um de nós e outro a inscrever no rol de dramas sul-coreanos que se insinuam lenta e progressivamente e nos conquistam com a sua sinceridade.
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