artigos

Sitges 2003
Dia da Coreia - Conferência de Imprensa

O dia 2 de Dezembro foi designado Dia da Coreia, no âmbito Festival de Sitges de 2003. Nesta data, projectaram-se os filmes «Memories of Murder», «Wonderful Days», «The Uninvited», «Acacia», «Into the Mirror» e «The Coast Guard». Mais para o final da semana, seria exibidos mais dois títulos que, em conjunto com «Memories of Murder», constituíam as obras sul-coreanas mais fortes, de entre as presentes no festival: «A Tale of Two Sisters» e «Save the Green Planet». Foi ainda exibido, apenas numa maratona, iniciada à uma da manhã, a raridade «The Housemaid», de 1960, sob o signo da retrospectiva Mondo Macabro. Para além dos filmes, tiveram lugar outros eventos nesta terça-feira, a meio do festival. No confortável átrio do Hotel Melià Gran Sitges, realizou-se um fórum sobre animação coreana, outro mais genérico, intitulado “Coreia, Cinema Explosivo” e haveria ainda, à noite, um “post-screening” com Lee Soo-yeon, realizadora de «The Uninvited».

Dia da Coreia

A actividade que atraiu maior atenção mediática neste dia foi a conferência de imprensa, que teve lugar pouco depois da uma da tarde, devido à presença do embaixador da Coreia do Sul em Espanha e de três realizadores: Lee Soo-yeon, acima mencionada, Kim Sung-ho («Into the Mirror») e Park Ki-hyung («Acacia»). Este último, no entanto, preferiu sentar-se na sala e o lugar que lhe estava destinado foi ocupado pelo tradutor. Na mesa estavam também presentes o representante da Casa Asia, entidade que colabora com a Secção Orient Express e Darcy Paquet, membro do júri dessa secção.

Emb. Chang Dong-chul
Chang Dong-chul, o embaixador da Coreia do Sul em Espanha, apresentou dados estatísticos sobre a produção cinematográfica no seu país.
Angél Sala, o director do festival, introduziu o tema, descrevendo a cinematografia sul-coreana como aquela que é actualmente a mais promissora no triângulo que forma com Hong Kong e o Japão, os três territórios asiáticos tradicionalmente mais dinâmicos no que toca à produção cinematográfica. Sala descreveu uma produção de qualidade em quantidade e referiu-se à influência que o cinema da Coreia do Sul começa a ter cada vez mais no Ocidente, com uma grande quantidade de filmes com direitos de remake adquiridos por Hollywood e destacou o feito raro que é, actualmente, o cinema coreano dominar as bilheteiras locais. O director do festival falou ainda da presença forte destas cinematografias no festival de San Sebastian, onde estiveram presentes «Memories of Murder» (que venceu três prémios, incluindo a Concha de Prata para o Melhor Realizador) e o último de Kim Ki-duk («Spring, Summer, Fall, Winter... and Spring»), a propósito do qual referiria a importância da apresentação de «The Isle», em Sitges, como um marco importante na divulgação do cinema da Coreia em Espanha. O representante da Casa Asia, Ion de la Riva, prosseguiu, referindo a importância da existência da quota cultural, que, na prática, constitui uma barreira de protecção contra o esmagamento da indústria local por parte do poderio económico de Hollywood. O embaixador Chang Dong-chul referiu-se à importância que o cinema do seu país pode ter no estreitamento das relações culturais entre os dois povos.

Kim Sung-ho
Kim Sung-ho, realizador de «Into the Mirror».
Na fase das perguntas da imprensa, o realizador Kim Sung-bo pronunciou-se sobre os factores de desenvolvimento do cinema coreano, referindo a grande quantidade de novos realizadores que surgem de toda a parte, com diferentes perspectivas e visões, no seio de uma indústria e mercado cinematográfico cada vez maiores. O embaixador Chang aproveitou para enumerar alguns dados estatísticos (afirmou que não era especialista na área, mas que estudou a lição): em três anos seguidos, a indústria cinematográfica apresentou uma taxa de crescimento constante, alcançando 20 milhões de espectadores em 2000. Os orçamentos são cada vez mais elevados, com alguns filmes a custarem 3 milhões de euro, o que decorre do sucesso de filmes como «Shiri» (1999), uma espécie de símbolo da vitalidade (comercial, entenda-se) do cinema coreano contemporâneo, ou de «Amigos» (2001).

As quotas em vigor na Coreia do Sul, que obrigam a que todas as salas tenham de passar filmes coreanos pelo menos 146 dias por ano (o valor pode variar, mas este é o que está actualmente em vigor) constituíram um tema incontornável na discussão sobre o estado do cinema local. Como é sabido, Hollywood e o executivo norte-americano são contra “proteccionismos” (os que não lhes convêm) e têm mantido uma pressão crescente contra o governo da Coreia do Sul, para que a lei seja alterada e as quotas extintas ou, pelo menos, largamente mitigadas. Ainda seguindo as declarações do embaixador Chang Dong-chul, a nova política no campo do cinema veio quebrar uma situação de monopólio em que um pequeno número de empresas dominava o mercado de exibição, tornando-se mais prático e rentável importar filmes (e, naturalmente, cinema made in Hollywood), do que dar espaço para as produções locais. Chang referiu a importância dos festivais de cinema, que se começaram a desenvolver a partir de meados dos anos 90, com particular destaque para o maior, que se realiza em Pusan, uma cidade onde se conferem também condições particularmente favoráveis à rodagem de filmes, como outro factor que contribui para o actual excelente estado de saúde da indústria. O embaixador viria a resumir este sucesso, e a sobrevivência perante o gigante EUA, à união entre todos os intervenientes: estúdios, realizadores e produtores.

Lee Soo-yeon
A realizadora Lee Soo-yeon, que viria a ganhar o prémio revelação por «The Uninvited».
A sociedade sul-coreana é bastante conservadora e é notória a escassez de mulheres realizadoras (a verdade é que o sexo feminino não tem presença de destaque na realização em nenhuma cinematografia que nos ocorra). A presença de Lee Soo-yeon foi aproveitada por uma jornalista para indagar sobre as particulares dificuldades que uma mulher tem de enfrentar na Coreia do Sul para conseguir levar um filme às salas e se o sexo feminino também beneficiou com o “boom”. Lee refutou qualquer terminologia similar a “revolução”, em relação à situação recente da indústria, acrescentando que teve de percorrer um caminho difícil, dando passos pequenos, pouco a pouco. Anuiu que é realmente mais complicado para uma mulher realizar um filme, mas que tal não é impossível, e que, gradualmente, se conseguem alcançar os objectivos pretendidos.

Angél Sala respondeu a uma questão muito pertinente sobre a eventualidade de Sitges efectuar uma retrospectiva sobre cinema coreano, similar àquela que decorreu este ano dedicada ao Novíssimo Cinema Japonés, afirmando que tal retrospectiva sempre foi considerada e que a organização tem estado atenta às que têm sido organizadas por outros festivais, noutros países, qualificando algumas como muito boas e interessantes. Para Sala, tal passará por um ciclo mais amplo, com uma selecção que extravase o cinema fantástico, abrangendo títulos como «Friend», «Champion» ou «Oasis». Ion de la Riva referiu a organização pela Casa Asia de outros festivais de cinema asiático, em Madrid e Barcelona, anunciando que a próxima edição do Festival Ásia de Barcelona se concentrará na Coreia do Sul.

Park Ki-hyung
Park Ki-hyung («Acacia») preferiu sentar-se na sala.
Já a finalizar a conferência de imprensa, foi levantada a questão do papel do realizador Lee Chang-dong («Peppermint Candy», «Oasis»), enquanto Ministro da Cultura da Coreia do Sul. Kim Sung-bo disse que, apesar das pressões crescentes por parte dos EUA, Lee não considera alterar o sistema de quotas vingente, considerado essencial para a protecção do cinema local.

Ángel Sala encerrou a sessão, tecendo comentários sobre a penetração do cinema sul-coreano nos mercados asiáticos, nomeadamente Hong Kong e Japão e as estreias que têm acontecido em territórios europeus, como a França e Inglaterra, deixando os seus votos para que tal suceda também regularmente em Espanha e com cópias legendadas. O mais importante, frisou o director do festival, é que existam espaços de exibição diversificados.

(Em seguida, convidados e imprensa foram conduzidos para um simpático appetizer, dando oportunidade para alguma socialização pré-almoço.)

19/12/2003
Sitges 2003
Conferência de imprensa com Miike Takashi («Gozu»)
Conferência de imprensa com Asano Tadanobu («Zatoichi»)
Fórum: "O Cinema Japonês Contemporâneo", com Miike Takashi e Lida Joji
Fórum: "Coreia, Cinema Explosivo"

cinedie asia © copyright Luis Canau.