May (Cheng) herda uma fortuna depois da morte do marido num acidente de mergulho. A relação foi muito breve: no espaço de sete dias, conheceram-se nas Caraíbas, casaram e ele morreu. A sogra (Wong Man-wai) arranja-lhe uma ocupação numa das suas empresas, mas May é preguiçosa, desmotivada e rude. Ao conduzir sob o efeito do álcool, despista-se e fica inconsciente. Durante uma breve experiência próxima da morte, conhece um fantasma, Ken (Lau). Quando acorda, na cama do hospital, constata que consegue ver os espíritos que caminham entre nós. Mas apenas com o olho esquerdo.
Numa altura em que circulavam pelo oriente asiático alguns títulos de horror muito bem sucedidos nas bilheteiras, incluindo a produção de Hong Kong, «The Eye», dos irmãos Pang, a Milkyway decidiu aproveitar para produzir uma comédia que piscasse o olho a essa “vaga”. O título do filme é claro, quanto a tais objectivos, englobando, numa frase longa e espirituosa, os dois caracteres do título chinês de «The Eye» — 見 jian (ver) e 鬼 gui (fantasma).
A premissa e o próprio título deste filme de To Kei-fung e Wai Ka-fai remetem para um spoof do género, assentando, sobretudo, no sucesso e nos mecanismos de «The Eye», onde uma jovem cega passa a ver fantasmas na sequência de uma intervenção cirúrgica. Não é o que sucede, dado que o conceito fica-se pela premissa e pela situação nuclear do guião. Como aqui a operação foi apenas ao olho esquerdo, para confirmar que está na presença de uma alma do outro mundo, May precisa de fechar o direito. Cómico, não? Só que isto é uma “piada”, não chega para um filme inteiro.
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May (Cheng Sau-man) em casa com Ken (Lau Ching-wan) e no escritório com Susan (Lee San-san). |
«My Left Eye Sees Ghosts» (tradução literal do chinês), cumprida a premissa, é mais uma comédia ligeira, normalizada e pouco imaginativa, transpirando a óbvia falta de investimento no texto, nas personagens ou na direcção. Não falemos em “filme falhado” nem nada que se pareça. To e Wai sabem bem o que estão a fazer: um filme rápido, barato, que não dê muitas chatices e funcione nas bilheteiras. Se a nossa apreciação se baseasse na concretização de objectivos propostos, referir-nos-íamos à obra como “boa” ou “excelente”.
O filmes de horror que assentam em premissas similares, trazem-nos personagens principais torturadas, forçadas a lidar e a lutar contra as capacidades adquiridas. A percepção tende a ser usada ao serviço de um mistério que tem de ser resolvido. Por aqui não há nenhuma estruturação com base nesse ingrediente; há apenas uma utilização do ponto de partida e o recurso a um final “surpresa”. Até lá, assistimos a um desenrolar de situações avulsas, sem relevância na linha narrativa, com Sammi Cheng a ter de enfrentar algumas assombrações, incluindo uma fantasma comilona (quem sabe para aproveitar alguns gags excedentários de «Love on a Diet»).
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O pai de May (Lam Suet) sugere os serviços de uma medium. Simon Yam numa participação especial. |
Há um aspecto de contraste/conflito social: jovem de meio modesto passa a viver com uma família rica e educada. Mas o pai (o sempre presente Lam Suet) e os irmãos dela parecem ter sido caracterizados em dez minutos e temos dificuldade em enquadrá-la nesse meio familiar. A relação da viúva com a família do marido limita-se a tolerância/irritação perante uma desproporcionada falta de educação e desinteresse. O humor é suposto despontar desse “choque”.
Sammi Cheng tem talento para criar personagens antipáticas (aqui, em «Yesterday once More» e, em menor grau, em «Love on a Diet»), "aparentemente" frias, pelas quais é suposto sentirmos algo no final do filme. Mas a verdade é que é complicado sentir empatia por alguém que simplesmente parece não se interessar; é agressiva e desagradável porque sim, até ao momento em que revela que, na verdade, sempre foi muito sensível, emotiva, etc. etc.
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May passa a conviver com assombrações. À esquerda, a participação especial de Kelly Lin. |
À falta de gags realmente cómicos e com um leque de secundários que se limitam a marcar presença (incluindo uma pequena participação de Simon Yam Tak-wah), tornam «My Left Eye Sees Ghosts» uma experiência pouco interessante, próxima do indigerível num segundo visionamento. Se gosta particularmente dos actores e das baladas românticas de Cheng poderá não dar o seu tempo por perdido.
Lau Ching-wan marcou presença em alguns filmes notáveis da fase mais negra da Milkyway, como «Too Many Ways to Be No. 1» (1997), «The Longest Nite» e «A Hero Never Dies» (ambos 1998). Pena que recentemente não o tenhamos visto em obras que aproveitem o seu potencial (dramático), como «Lost in Time» (2003), de Derek Yee Tung-sing, ao lado de Cecilia Cheung Pak-chi.
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