Coreia, anos 20. Soonie é casada aos 16 anos com um miúdo de 10, sendo continuamente abusada pela sogra, numa relação que, com respeito pela tradição, é similar à de uma senhora e de uma escrava. Os anos passam. Soonie não consegue ter filhos, o marido ausenta-se e aparece com uma jovem da cidade, colega de estudos, moderna e educada, forçando-a a abandonar o lar e a começar uma vida nova.
Melodrama de época, desenrolando-se na Coreia profunda, «Jeong» acompanha, em flashback, as memórias de Soonie, enquanto aguarda que alguém desça de um autocarro. Soonie é interpretada por Kim Yoo-mee e surge no início como uma mulher de trinta e tal anos com maquilhagem para a fazer parecer 50 e tal, mas talvez seja suposto ter um pouco mais. Kim co-escreve o argumento com o realizador Bae, com quem aliás é casada.
«Jeong» é um dos filmes mais deprimentes que vi nos últimos tempos, constantemente puxando à lágrima: a curta sinopse talvez apresente alguns dos elementos menos tristes, pois segue-se pobreza, morte e mais uma série de injustiças em redor da protagonista que poucos momentos de alegria encontra na vida escudando-se, desde tenra idade, na leitura de uma história tradicional em forma de poema – quase tão deprimente quanto a sua própria vida –, à noite, quando todos se foram deitar.
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Apesar de não se recomendar a pessoas com tendência suicidas, «Jeong» é um filme belo, tanto para a vista (a fotografia é deslumbrante) como para o espírito (às vezes sabe bem ver quem esteja bem pior do que nós), com uma narrativa sólida, bem construída e com um trabalho de actores irrepreensível. António Rodrigues, que assina a folha da cinemateca, não concordará de todo, já que afirma que o filme está de tal modo desagregado que lhe pareceu ver quatro diferentes. No entanto, os seus argumentos poderiam ser aplicados a qualquer épico historico-dramático que foque uma personagem ao longo de 3 ou 4 décadas, em cenários diferentes, acompanhando várias fases da sua vida. Por outro lado, AR fala numa estrutura de 8 personagens, quatro masculinos e quatro femininos, que não corresponde à realidade do filme, onde há uma personagem central e outras que gravitam em seu redor, umas desaparecendo depois de alguns minutos, outras recorrentes. (Acho que teria de pensar um bocado para identificar quais são essas 8 personagens).
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«Jeong» foi o último dos três filmes apresentados num mini-ciclo na Cinemateca Portuguesa, em Outubro de 2001, seguindo-se a «JSA» e «Art Museum by the Zoo». A selecção parece ter sido feita pela embaixada da Coreia em Portugal e não me parece que "represente" o cinema coreano recente, de onde os títulos mais apreciados e com maior sucesso comercial, têm sido thrillers de acção. Uma selecção "política", talvez. Isso não invalida que «Jeong» tenha os seus méritos. Sem dúvida que sim.
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