Um agente infiltrado é eliminado pouco antes de um assalto a uma joalharia, que acaba por ter consequências inesperadamente violentas. O inspector encarregue do caso é removido do comando do caso, sendo forçado a acatar ordens de um oficial jovem, mas continua a pressionar Ko Chow (Chow Yun-Fat) para se infiltrar no bando. Ko vende armas aos criminosos, sendo um método que lhe permite estar a par dos seus movimentos, podendo assim antever o próximo assalto.
Ko tem outros problemas na sua vida privada. A namorada, Hung (Carrie Ng, que faria posteriormente carreira em inúmeros filmes eróticos, "categoria III", o que não a impediria de ganhar um prémio de interpretação por «Remains of a Woman» de 1993), pressiona-o para parar de adiar o casamento, ameaçando sair do país com um rico pretendente. O agente infiltrado está farto de uma vida que o leva a "trair os seus amigos", sendo constantemente atormentado pelas visões de um criminoso de cuja morte ele foi indirectamente responsável. Mas, antes de se retirar, é forçado a participar no próximo assalto do bando, sendo essa a única forma de saber qual o local escolhido. Como seria de prever, desenvolve-se uma profunda amizade entre o polícia e um dos criminosos, Fu (Lee), e Ko terá de escolher entre violar o dever profissional ou trair um amigo uma vez mais.
O filme de Lam marca presença no hall dos clássicos modernos, secção thrillers urbanos made in Hong Kong, ao lado de «Dip Huet Seung Hung/The Killer» (1989) ou «Laat Sau San Taam/Hard-Boiled» (1992), apesar de não ser um filme tão marcante quanto esses. Também que não é tão violento ou estilizado como os melhores filmes de John Woo, e aqueles que o procurem ver, à espera de mais uma extravagância de balas e de sangue a salpicar paredes, poderão sair seriamente decepcionados. A acção está bem longe de ser um elemento apelativo, pois a força de «City on Fire» passa pelo desenvolvimento de personagens. Ko é um homem atormentado, que luta para evitar que a namorada o abandone, mas vê-se forçado a quebrar promessas porque tem que levar o último trabalho até ao fim. Essas sequências, e o climax final, constituem os momentos com mais intensidade dramática.
«City on Fire» surgiu quando Chow Yun-Fat havia já dado o salto para a fama, após protagonizar «Ying Hung Boon Sik/A Better Tomorrow» (1986), de John Woo, o qual inauguraria um género a que se costuma chamar "sangria heróica" (ou "heroic bloodshed"), de que «The Killer» - onde Lee e Chow invertem os papéis - será provavelmente o filme mais importante.
Esta obra tornou-se mais conhecida fora do circuito habitual do cinema made in HK quando se começaram a apontar semelhanças com o «Reservoir Dogs» (1991) de Quentin Tarantino. Aparentemente, ter-se-á transitado de uma fase em que ninguém da Miramax comentava essas "acusações", para uma fase em que vieram a público dizer que "Mr. Tarantino sempre reconheceu a influencia de «City on Fire» no seu filme". A revista britânica Empire terá publicado uma comparação cena-a-cena entre os dois filmes, o que não terá certamente agradado à produtora. Recorde-se que Tarantino, no guião de «Reservoir Dogs», dedica o filme a uma série de pessoas, incluindo Chow Yun-Fat - de quem mais tarde, já em 1998, viria a dizer, no programa de rádio de Howard Stern, que tinha tido uma performance desastrosa em «The Replacement Killers» (1998), referindo inclusive que ele deveria ter aprendido Inglês antes de contracenar com uma actriz como Mira Sorvino -, mas não faz qualquer referência expressa a este filme.
A existência de notórias semelhanças não é absolutamente nada grave, mas também não se percebe como é que muitas pessoas, escrevendo sobre um ou outro filme, as ridicularizam. Muitos filmes inspiram-se e fazem "referência" a outros, mas parece que Tarantino e a Miramax deveriam desde logo ter confirmado, sem qualquer receio, as notórias influências. Tanto um como outro são bons filmes, mas os intuitos dos cineastas e o tratamento do material é muito diferente. O modo de escrever e a estrutura de «Reservoir Dogs» são característicos de Tarantino, mas existem pontos de contacto para além do terceiro acto de «City on Fire». No final do filme de Lam o ponto de encontro é também um armazém, no rescaldo de um assalto que correu mal e surge célebre impasse, com três armas apontadas, num contexto mais ou menos idêntico ao que surgiria em «Reservoir Dogs». Existe o laço de amizade entre o polícia e o ladrão, com um clímax diferente. Os dois homens no carro, observando o local do possível assalto, atiram piropos a duas jovens, com o equivalente em RD com Harvey Keitel a interromper a conversa de "trabalho" com a referência a uma rapariga que se encontra afastada. Há um plano que é praticamente decalcado de CoF: Lee/Keitel dispara com duas armas contra um carro da polícia, abatendo dois agentes no seu interior, através dos vidros. O plano de Tarantino é mais nítido e explícito (é de dia; em CoF é de noite), e de um ângulo ligeiramente diferente. Chow/Roth são baleados e são forçados a abater um inocente. A fuga faz-se num carro que está próximo em ambos os casos. Em RD, Keitel diz a Roth o que se deve fazer caso o gerente da joalharia não coopere; em CoF, Lee executa defronte da câmara algo parecido quando o gerente se recusa a colaborar. Em RD, as coisas pioram quando Mr. Blonde abate alguém que toca o alarme; algo de similar aqui sucede, e novamente o que é visto num filme é apenas contado no outro.
Em suma, não são apenas os minutos finais de CoF que são usados pelo filme de Tarantino. Há uma quantidade considerável de elementos que são inseridos; vistos num filme e apenas descritos no outro ou ao contrário. Apesar de «Reservoir Dogs» ter os seus méritos próprios, que ninguém negou com base nas suas fontes de inspiração, é de certa forma um remake parcial de «City on Fire». Parece que se justificaria, pelo menos, um crédito como "inspirado por", algures no início ou no fim do filme. Ringo Lam, aparentemente, nunca se pronunciou negativamente sobre o tema.
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