Embriagado de Mulheres e de Pintura/Chwihwaseon
Drunk on Women and Painting, Strokes of Fire, Painted Fire
취화선
醉畫仙 (zuì huà xiān)
Realizado por Im Kwon-taek
Coreia do Sul, 2002 Cor – 120 min.
Com: Choi Min-shik, Ahn Sung-ki, Yoo Ho-jung, Kim Yeo-jin, Son Yeh-jin
drama romance época biografia
Capa DVD
Nascido em 1843, Jang Seung-eop (Choi) revela grande talento para a pintura desde muito novo, mas é olhado com desconfiança pelos tradicionais apreciadores das artes, devido às suas origens plebeias. Copiando inicialmente clássicos da pintura chinesa e enveredando ocasionalmente por vertentes mais comerciais, como a pornografia, o artista vai-se revelando gradualmente e o seu nome passa a ser conhecido e respeitado – quem antes reproduzia o trabalho de mestres consagrados passa a ver as suas obras imitadas e falsificadas. De adolescente tímido e ingénuo a "homem do mundo" e bon-vivant, Jang é tão dependente do álcool como da companhia das belas mulheres, uma inconstância também derivada da impossibilidade de permanecer junto da mulher que ama – Mae-hyang (Yoo), uma kisaeng [1], obrigada a fugir da perseguição movida aos católicos. O pintor fica a dever a sua descoberta e, em grande medida, o seu sucesso, ao mentor Kim Byeong-mun (Anh), envolvido nos movimentos reformistas da época.

«Chwihwaseon» [2] é a biografia dramatizada e romanceada de Jang Seung-eop, considerado um dos três mais importantes pintores da Dinastia Joseon [3], ao lado de Kim Hong-do e Sin Yun-bok. Im Kwon-taek, galardoado com o prémio para melhor realizador na edição de 2002 do Festival de Cannes, parte dos elementos históricos possíveis, uma vez que há segmentos da vida do pintor que permanecem na obscuridade, nomeadamente a data da sua morte: não há quaisquer registos a partir de 1897. O seu desaparecimento, como provavelmente outros pontos em branco da biografia de Jang, é ilustrado por Im com assumido irrealismo, um modo poético de "explicar" a saída de cena do artista.

Im, de 67 anos, é autor de uma filmografia com quase 100 entradas, ao longo de de 40 anos, algo possível devido a uma grande actividade durante os anos 60 e 70, períodos em que não era raro realizar meia dúzia de filmes por ano. «Chwihwaseon» foi apenas o segundo filme coreano a ser seleccionado para a competição de Cannes, depois de «Chunhyang» (2000), também do realizador, mas o reconhecimento internacional da sua obra iniciou-se nos anos 80, quando «Mandala» (1981) e «Gilsotteum» (1986) passaram pelo Festival de Berlim.

Jang Seung-eop torna-se um pintor reputado graças à orientação do seu mentor, Kim Byeong-mun.

Em termos históricos, a acção do filme decorre numa época de fortes convulsões políticas e de mudanças sociais internas, com a sempre presente ameaça de invasões estrangeiras (o Japão anexaria a Coreia em 1910). No campo das artes, assistimos aqui à transição da referência incontornável da arte chinesa ao desenvolvimento de um estilo mais vincadamente nacional, ainda que esses vínculos nunca sejam, naturalmente, cortados. Essa relação cultural está tudo menos mitigada e, ainda que o ensino do inglês seja encarado com a mesmo importância que noutras partes do mundo, a ascendência da China como potência económica volta a suscitar o relevo da obrigatoriedade de estudar a língua chinesa nas escolas sul-coreanas. De resto, a escrita chinesa continua a manter alguma presença no território, apesar do alfabeto coreano (hangeul) ter sido criado no Séc. XV.

Por diferentes razões, Jang pinta para as mulheres da sua vida: Mae-hyang (esquerda), So-woon (direita) e Jin-hong.

A beleza da arte e da fotografia e o facto de Im centrar o filme no artista enquanto ser humano, com seus defeitos e virtudes, permite que «Chwihwaseom» possa ser apreciado universalmente, independentemente de estarmos familiarizados ou não com determinados factos históricos, como golpes de estado ou revoltas populares. Transparece ainda a existência de alguns elementos autobiográficos no filme: o realizador é de origens modestas e lutou por um lugar destacado no seio de uma arte, a sua vida foi condicionada por tumultos históricos, nomeadamente a Guerra da Coreia e o período conturbado que se seguiu, estudou numa escola católica e o seu pai foi perseguido por razões políticas. Im disse a Korea.net que “se a audiência vir semelhanças entre a relação de Jang com a pintura e a minha própria relação com o cinema, sentir-me-ei profundamente honrado”.

«Embriagado de Mulheres e de Pintura» permite também assistir a mais um excelente trabalho de Choi Min-sik, certamente um dos grandes actores contemporâneos, adicionando assim mais uma referência essencial na sua filmografia, ao lado dos papéis em «No.3» (1997), «Fim Feliz» (1999) ou «Failan» (2001). Choi é igualmente um dos pontos positivos do blockbuster «Shiri» (1999), ainda que essa obra seja narrativamente limitada pela sua pretensão em ser mais do que um filme de acção. Aqui, o único momento em que a presença de Choi não se ajusta plenamente é quanto se opta por usar o actor de 40 anos para representar Jang no final da sua juventude.

Com a estreia deste filme paralela à afirmação da distribuidora de procurar diversificar a sua oferta cinematográfica, com base nas salas King Triplex em Lisboa, resta-nos esperar que tais ensejos correspondam a outras estreias de cinema coreano, não necessariamente limitadas aos títulos seguros dos festivais e sem o pendor "exploitation" que outro distribuidor do norte do país tem tendência para revestir os seus lançamentos, independentemente do conteúdo dos filmes.

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[1] Kisaeng é uma acompanhante ou intérprete, versada em poesia e música, similar à geisha japonesa. As palavras são similares semanticamente, mas o termo coreano baseia-se nos caracteres chineses 妓生 (ji sheng), enquanto geisha se escreve com os caracteres 艺妓 (yi ji).

[2] O título não é exactamente uma tradução literal. Apesar dos dois primeiros caracteres corresponderem a “embriaguez” e “pintura”, o último aponta para um sentido de “divino”. Uma explicação mais detalhada por ser lida no forum Koreanfilm (pelo menos enquanto a thread não desaparecer).

[3] A Dinastia Joseon (romanização alternativa: Chosun) iniciou-se em 1392 e terminou em 1910, com a anexação da Coreia pelo Japão.

DVD editado na Coreia do Sul pela Cinema Service (R3), com imagem anamórfica e som Dolby Digital e DTS, com um segundo disco repleto de extras não legendados. Estreou em Portugal a 22 de Agosto de 2003 (Atalanta Filmes).

publicado online em 24/8/03

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