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Capa do DVD Tai Seng (EUA).
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No cimo de um monte, Cho Yi-Hang (Cheung) guarda uma lendária flor, à qual se atribuem poderes de curar todas as doenças e até de ressuscitar os mortos. Apesar de só florir de 20 em 20 anos, Cho recusa cedê-la para a cura da grave doença do Imperador. "Mas quem pode ser mais importante que sua majestade?", questiona um dos enviados imperiais depois da chacina. Um flashback transporta-nos até ao final da Dinastia Ming, 10 anos antes. Cho pertence ao clã Wu Tang e é o escolhido pelo seu mestre para o suceder na liderança dos clãs unidos. Mas Cho não se interessa pela liderança, nem aprova os métodos vigentes, que incluem dizimar inocentes se um objectivo político assim puder ser alcançado. Lien (Lin) foi criada por lobos e, mais tarde, adoptada pelos líderes de um culto maligno (Ng e Lui), que a treinaram como máquina de morte, para destruir quem se lhe atravessar no caminho, incluindo os líderes de Wu Tang e dos clãs aliados.
«The Bride with White Hair» é considerado por muitos um dos melhores filmes saídos de Hong Kong, durante o boom da primeira metade da década de 90, sendo incluído num dos Top 10 de "Hong Kong Action Cinema", de Bey Logan (Titan Books, Reino Unido), bem como nos "Ten That Rip" que introduzem "Sex and Zen & A Bullet in the Head", de Hammond/Wilkins (do mesmo editor). O que o distingue de outras obras do género é focar-se mais nos personagens do que na espectularidade da acção, para além do registo ser totalmente sério, despido do humor slapstick que pontua títulos como «Saviour of the Soul» (1991) ou «The Heroic Trio» (1993). Apesar de cenas de acção movimentadas, com coreografias formais que hoje poderiam ser referidas como "a la Ashes of Time", mesmo tendo em conta que o filme de Wong Ka-Wai é do ano seguinte, Yu centra-se no romance entre os dois personagens principais, de forma que, segundo se diz, é coerente com o livro onde se baseia. A acção é assinada por Philip Kwok Chun-Fung, que trabalhou em «Hard Boiled» (1992) de Woo, onde também interpretou Mad Dog, o lugar-tenente do vilão.
A beleza das imagens ficará gravada na memória do espectador, de um ou de outro modo. A fotografia, os cenários e o guarda-roupa transmitem-nos a sensação de estarmos perante um filme que custou milhões de dólares a fazer, quando na verdade teve um orçamento relativamente contido. Devido ao calor que assolava Hong Kong na altura das filmagens, mas também por razões estéticas, praticamente todas as cenas foram rodadas de noite e em interiores. Yu quis criar um mundo irreal e uma atmosfera teatral, ou, como se diz em alguns trailers, "operática". A estética mistura elementos da antiga China, mas também tibetanos, indianos e japoneses. Aliás, recorreu-se ao serviços de um designer de vestuário japonês, o que criou um certo mal estar na indústria. O mais importante é que todos os elementos colam na perfeição.
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Espadas em campos opostos: Cheung Kwok-wing e Lin Ching-hsia.
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Apesar de Leslie Cheung ser o personagem central, é a Lien de Lin Ching-Hsia que domina o filme. Cho não é um herói típico, falhando mesmo no cumprimento de responsabilidades para com o seu clã. É certo que desde sempre se recusa a assumir o comando de Wu Tang e dos clãs unidos, mas a sua insegurança virá a ter consequências nefastas e será a causa primeira do final trágico. Por seu lado, Lien, a "mulher-lobo", é uma personagem forte e determinada. Ela não é certamente isenta de censura moral (afinal é uma assassina), mas cumpre as suas funções até considerar que o seu destino pode ser outro. Quanto tal sucede, não vira as costas aos seus líderes, antes pede autorização para se retirar, o que a leva a suportar horríveis suplícios físicos, os quais aceita como necessários ao cumprimento de um código pelo qual a sua vida até então se guiava. Em nome do amor.
As fraquezas de Cho cedo nos levam a prever a razão pela qual o encontramos no topo do monte, a guardar a flor mágica. Nesse momento, podemos considerar que o personagem mudou, também no que toca a ter uma posição política, ao revoltar-se contra os emissários Qing. A dinastia, instaurada no decurso da acção, dominaria a China até à república de Sun Yat-Sen, em 1911, e é frequentemente apontada como anti-patriótica, em filmes do género.
Lin Ching-hsia era uma das actrizes mais solicitadas pela indústria, na altura em que o filme foi produzido, e uma das mais conhecidas em toda a Ásia, tendo trabalhado em mais de uma centena de filmes desde a década de 70 até 1994. Vendo o filme é difícil de acertar na idade da actriz... (Não andará longe se somar 10 à primeira estimativa.) A sua versatilidade permitiu-lhe participar em dramas e em filmes onde se requeria uma maior componente física, reinando como espadachim de eleição em filmes de artes marciais de época, enquanto o género foi popular.
Apesar de ser mais conhecida no ocidente por «Chungking Express» (1994), de Wong Ka-Wai, onde mal lhe vemos o rosto, coberto por óculos de sol e por uma peruca loira, o grande sucesso de «Swordsman 2» (1992), onde contracena com Jet Li Lian-Jie, contribuiu para um certo estereótipo dos personagens interpretados por Lin: uma mulher, com grande habilidade em artes marcias, trajando roupas masculinas. Na realidade, nesse filme o personagem é masculino. É uma pena que a actriz se tenha retirado, depois de «Chungking Express», apesar da hipótese de um regresso ter ficado em aberto. Voltaram a surgir notícias nesse sentido, com o anúncio da produção da segunda parte do clássico de Tsui Hark «Zu - Warriors from the Magic Mountain» (1982), mas tal não se veio a concretizar. [vd. «Legend of Zu (2001)»]
Ao leitor mais atento, em particular o apreciador de animé, parecer-lhe-á existirem semelhanças entre elementos do filme de Yu e «Mononoke Hime» (1997), a obra-prima épica de Miyazaki Hayao, mas as semelhanças ficam-se pela existência em ambos de uma guerreira criada por lobos, que se apaixona por alguém contra quem é suposto lutar. Dois filmes asiáticos completamente diferentes - mesmo aparte o pormenor animação vs. imagem real - e dois dos mais belos da década de 90.
O DVD da Tai Seng (EUA) não está codificado para qualquer região e vale a compra, apesar de algumas imperfeições. A edição australiana VHS (Chinatown Video) é simplesmente de fugir: usaram um master feito a partir de uma cópia com a legendagem original (em chinês e inglês), mas decidiram usar legendas novas. Daí taparam a parte de baixo do écran, para esconder as originais. Para que não ficasse uma faixa 3:1 no televisor, cortaram um bom pedaço em ambos os lados, resultando num formato 1.85:1, constituído por uma área ridícula do enquadramento original (2.35:1), assim retalhado em três lados. Não fosse o filme tão bom, considerá-lo-ia sempre importante por me ter levado a apressar a decisão de investir num leitor de DVD.
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