"Tyler" (Tse), trabalha no balcão de um bar, onde conhece Ma Hoi-ming (Tsui), uma jovem que acaba de discutir com a namorada. Os dois acabam por embarcar num lamentável e infantil concurso alcoólico e terminam a noite juntos, acordando de manhã com sérios problemas de memória. Tyler (ou Kwow-ching), entretanto, começa a trabalhar numa empresa de segurança não licenciada, chefiada pelo “Tio” Ji (Wong). Um dos seus serviços é assegurar a segurança de Hong, um milionário que gere actividades não inteiramente claras. Uma das filhas de Hong, Hui (Lo), saiu de casa e casou com "Jack" (Wu), actualmente a trabalhar como talhante, sem a aprovação do pai. Um grupo de criminosos vindo da América do Sul, procura cobrar uma divida a Jack, propondo-lhe, em alternativa, um “serviço”.
«Time and Tide» assinala o regresso de Tsui Hark às produções de Hong Kong, livres dos constrangimentos impostos por Hollywood, e pela realização de um par de filmes com Jean-Claude Van-Damme, apesar do último ter sido quase em forma de vingança contra o "sistema", simbolizada pela cena em que Rob Schneider acoita violentamente o traseiro do actor belga com uma enguia. Num mesmo ano, Tsui assinou este filme e «Suk Saan Chuen/Legend of Zu», a sequela, ou revisão, do seu clássico de 1981, com Yuen Biao e Lin Ching-hsia, constituindo, um e outro, a continuidade da experimentação da linguagem cinematográfica, a um nível de tratamento e composição de imagem e de montagem. Isto significa também que a componente narrativa é, por vezes, desprezada ou simplesmente ignorada.
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Grávidas nas compras: Hoi-ming (Tsui Chi-kei) e Hui (Lo Hau-yam). Tyler (Tse) também aproveita as promoções do Carrefour.
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A história de «Time and Tide» acaba por ser um conjunto de sequências coladas, algo que, normalmente, é suficiente para nos fazer torcer o nariz de frustração com a preguiça dos cineastas. Mas há casos em que outros factores se sobrepõem à importância de um texto bem desenvolvido e estruturado, nomeadamente uma boa atmosfera num filme de suspense ou terror ou a capacidade de entretenimento puro, num filme de acção. E o filme de Tsui insere-se facilmente nesta última categoria.
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O "Tio" Ji é interpretado pelo veterano Anthony Wong Chau-sang.
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As personagens são apresentadas rapidamente e prepara-se o campo de batalha até aos cerca de 40 minutos de filme. A partir daí, podemos dizer que estamos perante uma única cena de acção, que começa, aparatosamente, no interior e nas traseiras de um prédio, com homens bem armados pendurados em cabos, que saltam pelas janelas e vão por ali abaixo, seguidos pela câmara imparável de Tsui. Comparado com esta sequência, a acção no estádio não nos consegue prender de todo, até porque existem alguns efeitos algo baratos e pouco convincentes, mas o momento em que Tse e Lo – em trabalho de parto – se defendem de um dos vilões, consegue recuperar o nível da adrenalina.
Os confrontos corpo a corpo são filmados de um modo estilizado mas que é, ao mesmo tempo, realista. Isto é, é óbvio que há uma apurada encenação – a direcção de acção é de Xiong Xinxin –, mas tenta-se remover os efeitos a que estamos acostumados e os profissionais nem sempre acertam à primeira tentativa, como é vulgar em filmes de acção, em que os alvos humanos surgem como destituídos de qualquer inteligência ou capacidade de reacção. O som do impacto mal se houve, metade dos golpes saem ao lado, os lutadores tropeçam em obstáculos, perdem as armas, etc., tudo apresentado com uma montagem frenética, que reforça a referida sensação de realismo.
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Jack (o rocker Wu Bai), homem de acção.
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Tsui Hark recheia o ecrã com elementos visuais que se fundem na imagem ou são levados pelo vento, como os títulos que indicam os locais onde a acção decorre (há um segmento que parece sugerir estarmos no Brasil, mas as personagens desatam a falar castelhano), usa efeitos digitais para nos colocar dentro de explosões (nem sempre convincentes), de armas, granadas, monitores de TV, não dando descanso aos nossos olhos, que sempre têm muito com que se entreterem. Daqui resultará um menor contacto com os actores, que, em muitos casos, o realizador poderá ver como apenas mais um elemento a manipular, mas creio que, ainda assim, se consegue uma caracterização mínima, em particular das personagens de Lo e Wu, apesar de não terem propriamente muito com que trabalhar. Tse, distinguido recentemente como o artista pop mais bem sucedido comercialmente em toda a Ásia, será, de entre os quatro actores, aquele que merece menor atenção, mas a sua função é mais de atrair adolescentes, resumindo-se a ser o “miúdo giro” de serviço e a ser empurrado de um lado para o outro, enquanto Wu faz o trabalho sujo.
Tanto Wu como Tse têm canções na banda sonora; só faltou mesmo a participação de Candy Lo, que interpreta um tipo de música entre o rock e o pop, não mainstream (para os padrões de Hong Kong), e que, ao contrário da generalidade das caras larocas do cantopop, até sabe compor e tocar. Lo tem tido diversas participações secundárias em filmes recentes – como «Gin Gway/The Eye» –, aguardando-se que lhe seja atribuído um já merecido papel de primeira linha.
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