Reiko (Matsushima) é uma jornalista televisiva que investiga um mito urbano sobre uma cassete vídeo que, supostamente, provoca a morte a quem a visionar: o telefone toca e, uma semana depois, o espectador morre inexplicavelmente, sem causas de morte identificáveis. Reiko segue o rasto de um grupo de quatro estudantes que terão visto a cassete durante a estadia numa estalagem, depois do último deles falecer. Irá contar com a ajuda do ex-marido, Ryuji (Sanada), mas ambos acabam por ver as estranhas imagens e têm razões para acreditar que as suas vidas poderão terminar no prazo de uma semana.
«Ringu» caiu como uma bomba nas salas de cinema japonesas e asiáticas e conquistou fãs por todo o mundo, começando pelo circuito dos festivais (mas não por cá) e, mais tarde, através do vídeo e DVD. Eis um filme que, praticamente sem artifícios (há pontuais “efeitos especiais”), consegue gerar sensações de verdadeiro terror no espectador. A sua atmosfera opressiva, lenta e cuidadosamente criada, circunda-nos, provoca um certo mal estar e alguns momentos-chave conseguem mesmo gelar-nos a espinha. Se o espectador estiver com o estado de espírito correcto (por exemplo, se não estiver numa festa, rodeado de amigos aos gritos e a emborcar o quinto whiskey), dificilmente chegará ao final do filme sem se sentir minimamente incomodado com a experiência. Dependendo da sensibilidade de cada um, esse incómodo pode variar daquela sensação de que a roupa não se está a ajustar bem ao corpo, até à súbita necessidade de acender todas as luzes da casa, espreitar debaixo da cama ou evitar, durante alguns dias, a sala onde se encontra a TV.
O que torna «Ring» um filme tão eficaz e sobretudo tão emblemático, ao ponto de já se ter tornado um marco no cinema de horror e de ter suscitado uma nova fornada de filmes de horror asiáticos, onde uma menina – tendencial, mas não necessariamente, morta – de longos cabelos negros compridos, que não permitem que lhe vislumbremos o rosto, flutua por corredores escuros, com a intenção de perseguir e eliminar, um a um, os membros do elenco? (E justificará uma pergunta tão extensa?)
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Uma reportagem para a TV marca o início de uma estranha investigação, para a qual Reiko conta com a ajuda do ex-marido. |
Antes de mais, ao contrário do que é norma no cinema ocidental, «Ring», não é produzido com o fim único de entreter o espectador, pelo menos na acepção de “divertir” ou de “manter a boa disposição” do mesmo (“Ai, que susto! Hi hi hi”). Au contraire, estamos perante um filme de horror “puro”, preocupado apenas em levar a sua história por diante, envolvendo a audiência com a angústia que move as personagens à procura de uma solução para a “maldição”. Essa história é coerente, dentro do universo ficcionado que nos é apresentado, se bem que possam sempre sobrar elementos aparentemente desconectados do resto, já que o argumento de Hayashi Junichiro evita pormenorizar e explicar demasiado todos os acontecimentos.
Aquilo que nos prende aos acontecimentos no ecrã e que nos pode fazer exasperar, com maior ou menos intensidade, raramente são as imagens isoladas, mas as situações em si. Claro que existem momentos visuais mais fortes, mas é a atmosfera eficazmente criada, a ansiedade gerada, que lhes transmite essa força, uma vez que, removidos do contexto, nos deixariam relativamente indiferentes. Estamos a anos-luz dos tradicionais terrenos do slasher, em que a construção do horror se resume a uns segundos de espera por um golpe mortal, acompanhado por música “assustadora” e que, na maior parte dos casos, termina com um golpe de imaginação do espectador, tentando preencher o que não se viu, segundos antes de vir mais uma graçola.
«Ring» é baseado num livro de Koji Suzuki, que escreveu mais duas sequelas, “Rasen” e “Loop”. Actualmente, existem mais dois filmes da série, produzidos no Japão: «Ring 2» (1998), e «Ring 0 – Birthday» (2000), sendo este último uma “prequela”, tentando explicar as origens da personagem Imamura Sadako, central a todas estas histórias. «Ring 2» foi escrito como continuação do primeiro filme, i.e., não é uma adaptação de outro dos livros, o que poderá constituir uma razão para o seu relativo fracasso artístico. Por outro lado, não será por se manter fiel ao texto original que «Ring» funciona tão bem, já que se tomaram muitas liberdades, começando pela personagem de Reiko, que era originalmente um homem, p mesmo sucedendo em relação a determinados pormenores dos mecanismos da “contaminação”. «Ring» deu origem a dois remakes: «Ring Virus» (1999) na Coreia do Sul e «The Ring» (2002) nos EUA.
Vd. texto de Hugo Freire Gomes
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