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PiFan 2006


NE

NG (ene ji) é uma conhecida sigla que significa “no good” e obriga a novo take. NE, no guia do festival, significava “Non-English Dialogue/English Subtitles”. Logo ao segundo dia constatou-se que a indicação estava errada para demasiados filmes. Uma procura posterior permitiu verificar que a indicação prevista de “ausência de legendas em inglês” não era sequer usada.

O primeiro filme que vi sem legendas foi «Abashiri Bangaichi», da retrospectiva Ishii Teruo. Suportei o filme até ao fim e no final expus a situação junto dos voluntários na mesa de informações da sala (Primus). Alguém do staff do festival entraria em contacto com a organização e a informação transmitida seria que houve uma falha com aquela cópia, mas que as outras da retrospectiva teriam legendas em inglês, tal como indicado no guia.

Vias de Comunicação Entupidas

As coisas não correram bem, desde várias semanas antes do início do festival, com as tentativas de contactar a organização. Ao longo do processo, usei quatro endereços de e-mail diferentes, sem feedback no início ou com respostas tardias. O contacto de e-mail para a imprensa internacional, presente na versão por actualizar do site do PiFan, estava desactivado.

A cerca de uma semana do início do festival, recebi um telefonema a dizer que por problemas de comunicação (do lado do PiFan) muitas acreditações não foram processadas. Como já era tarde demais para emitir um cartão, perguntaram-me se aceitava algo chamado "Daily ID", que era, disseram, "99% like the Press ID".

Afinal, o 1%, aquilo que estava excluído, era o acesso aos filmes. Um pequeno pormenor. A "Daily ID" é útil para os media que queiram enviar um fotógrafo ou cameraman a um evento específico em certa data, mas nada para quem pretende cobrir um festival do início ao fim. Daria acesso a visionamentos em vídeo, mas qual o interesse de passar uma tarde de um festival de cinema a visionar cassetes na sala de imprensa?

Como o próprio nome indica, todos os dias seria necessário levantar uma ID. No primeiro dia fi-lo, pois dava acesso à sessão de abertura, mas nos outros não havia qualquer utilidade.

O resultado deste processo, além de ter pago do meu bolso o catálogo e 20 e tal entradas, foi a falta de acesso claro a qualquer tipo de informação sobre o festival. Como ir de um ponto ao outro, quais os convidados, dados estatísticos, notas de imprensa, etc.

Mas, no final, o habitual texto longuíssimo sobre o festival e os filmes visionados não deixou de aparecer por aqui.

Aproveitei para perguntar o que se podia saber em relação às sessões de curtas-metragens, pois, quanto a essas, a indicação de legendagem estava em branco e a entrada no guia nem sequer tinha nome em inglês. A conclusão foi que algumas curtas coreanas teriam legendas e outras não.

No mesmo dia, era suposto ver o filme de horror tailandês «Ghost of Valentine», mas quando cheguei à sala foi-me dito que “por razões técnicas” o mesmo não iria ser exibido. A organização não usou uma cópia de outro filme para preencher o horário, agora vazio. Era demasiado tarde para trocar o bilhete para outro filme noutra sala, por isso ganhei mais de duas horas livres para passear por Bucheon, num dia de chuva intensa.

Findo o passeio, veio nova surpresa. O próximo filme de Ishii Teruo também não tinha legendas em inglês. Desta vez tratava-se de «Horror of a Deformed Man» e a sala não era a mesma do primeiro episódio. Voltei a falar com voluntários e staff e de novo foi feito um telefonema. Assumiu-se o erro no catálogo. Perguntei então se o mesmo não iria suceder com os filmes da retrospectiva “Fantastic Shin Sang-ok” pois tinha um bilhete para «Dreams», no dia seguinte. A senhora do staff disse que não, que ficasse descansado.

No dia seguinte — Surpresa? Nem por isso — fomos avisados à entrada da sala que «Dreams» não tinha legendas em inglês. Falei com outra pessoa, também estrangeira, que disse que uma hora antes lhe tinha sido confirmado o contrário — que a cópia seria legendada.

Como isto se passou novamente no Primus, do qual três salas tinham filmes do PiFan, era possível optar por outros dois e, assim, acabei por assistir a «Ghost Son», de Lamberto Bava.

Só três dias depois do primeiro caso comecei a ver informação escrita em inglês a avisar quais os filmes que não tinham a legendagem referida no guia. Também nesse dia foi colocada uma lista na versão inglesa do site, com todos os filmes nessa situação. (Mas quem é que estava a ir regularmente à versão inglesa do site finalizada meros dias antes do início do festival?) (1)

Ao contrário de outros festivais coreanos, mesmo de reduzidas dimensões e com um número muito inferior de convidados estrangeiros, a informação nas salas do PiFan tendia para ser unilingue. (Neste caso, os artigos de merchandise do festival tinham designações em inglês.)
Apesar do PiFan receber um número considerável de visitantes estrangeiros, texto em em inglês era virtualmente inexistente nas bancadas de informação, resumindo-se quase sempre apenas a identificar a finalidade de cada mesa. Alguns locais tinham a indicação da entrada para a sala apenas em coreano.

Nos outros festivais sul-coreanos por onde passei, o JIFF, o SICAF ou até o Green Film Festival in Seoul, de dimensão mais reduzida, havia informação básica afixada para os visitantes internacionais. O GFFIS até chamava a atenção para dados que estavam, desde logo, correctos no guia, no que dizia respeito a títulos sem legendagem ou dobrados em coreano (como «A Marcha dos Pinguins»). O JIFF colocava em painéis visíveis informações sobre todos os filmes sem legendas em inglês, que nem eram muitos (não houve nenhum dos que quis ver nessa situação)

Na segunda-feira, nova “surpresa” com um filme de Singapura, «The Maid». Tratava-se de uma cópia para exibição comercial com legendas impressas em coreano. Quando se iniciou, com diálogo em chinês e legendas em coreano, preparei-me para sair da sala e pedir o dinheiro de volta (já chegava ter pago dois filmes não legendados), mas, pouco depois, os diálogos passaram para inglês. A maioria do filme era falado em inglês — a história envolve uma imigrante filipina em Singapura —, por isso acabei por ficar até ao fim.

Poderia não ser difícil de deduzir que para ir para o segundo piso (balcão) é necessário subir as escadas, mas não custaria muito acrescentar umas palavrinhas em inglês.
O NG NE não se ficaria por aqui. Na terça-feira tinha bilhete para «Apartment» na sala da City Hall e cheguei ao local uns 20 minutos antes da sessão, aproveitando o tempo para comprar bilhetes para o dia seguinte. No local estava afixado “Apartment No English Subtitles”, de modo que depois de comprar os bilhetes troquei o de «Apartment» por «Forbidden Floor», para uma sala CGV, situada a cinco minutos dali.

A prestável voluntária de serviço pediu desculpas em nome do festival, mas eu estava para lá de me poder sequer aborrecer com surpresas dessa espécie e sorri, dizendo-lhe que a culpa não era dela e que já estava habituado (tanto que pedi a troca do bilhete no mesmo registo com que comprei os outros).

Não sei que conclusão tirar destes factos. É possível que se tratasse de um problema técnico com legendagem electrónica (em todas as salas?), mas o mais provável é que tivesse sido um erro grosseiro no guia.

O facto do site em inglês ter sido terminado mesmo em cima do início do festival, de ter sido quase impossível comunicar com a organização atempadamente e de já não ter sido possível emitir uma acreditação, mesmo depois de contactar directamente com alguém que seria responsável pelo processo, não pode deixar de me levar a concluir que os visitantes internacionais não foram uma prioridade do PiFan, no seu 10º aniversário.

Outro dado que reforça a pressa e/ou falta de cuidado com que o guia foi preparado — ainda que não seja particularmente nocivo ou incómodo — é a alfabetização incompleta dos títulos em inglês. Os artigos a ou the foram passados para o final do título, separados por uma vírgula, mas ficaram por colocar na ordem correcta, ou seja, foram alfabetizados em 'a' ou 't', mesmo quando não começavam por essas letras (por exemplo, “Maid, the” estava assim inscrito em 't' e não em 'm'). Tal foi, no entanto, terminado para o catálogo. (2)


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(1) A lista continuava a não mencionar os filmes de Shin Sang-ok, que, conforme nos foi referido à entrada de uma sala, não tinham legendagem. Incluía ainda alguns filmes de Hong Kong, da retrospectiva Wang Yu — o que é invulgar, pois as cópias locais costumam ter legendas impressas em chinês e inglês —, filmes da retrospectiva Jacques Tati e Mario Bava, o islandês «A Little Trip to Heaven», registado no guia como falado em inglês (a IMDb e outras fontes parecem sugeri-lo também e a acção passa-se nos EUA) e a co-produção hispano-americana «Virgine Rose».

Os restantes casos eram os já nossos conhecidos: Ishii Teruo, «The Maid» e «Apartment».

(2) Não reclamemos muito quanto a isso, o exemplo surge como mero indicador; em Portugal fazem-se catálogos de festivais sem índice ou números de página.



4/08/06

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