1951. Com apenas 10 anos, a pequena Mùi (Lu) deixa a sua aldeia e vai morar para a casa de uma família de Saigão, onde ajuda Ti (Nguyen), uma criada já idosa, nas lides domésticas. Outrora abastada, a família sofre os efeitos da crise económica e das inconstantes fugas do chefe de família (Tran), que, sem razão aparente, agarra no dinheiro e desaparece durante algum tempo. A economia doméstica é controlada pela matriarca (Truong), que comercializa tecidos, obtendo assim algum dinheiro para alimentar os filhos e manter alguma dignidade. Na casa vive o casal, com três filhos, um já adolescente e outros mais novos, e a avó paterna, que não abandona o seu quarto, no andar superior, desde a morte de Tô, a neta que teria a idade de Mùi, se fosse viva. Aos 20 anos, a vida de Mùi (Tran Nu), que continua a ser tímida e ingénua, irá ter de adaptar-se a uma nova realidade.
«O Odor da Papaia Verde» é a primeira longa-metragem de Tran Anh Hung, um cineasta vietnamita que foi estudar para França onde vive actualmente com a família (é casado com a actriz Tran An Nun Khe), sendo também o único dos seus filmes a ter obtido o privilégio de uma estreia em território nacional (cinema Mundial, em Lisboa, Junho de 96). Tran adquiriu notoriedade internacional logo com esta sua primeira longa metragem, a qual ganhou a Câmara de Ouro em Cannes (93) e o prémio para a Melhor Primeira Obra nos Césares, de 1994, sendo ainda nomeado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, nesse mesmo mesmo ano. Este filme é provavelmente ainda a mais conhecida e difundida das suas obras, apesar da superioridade de «Cyclo», que se lhe seguiria.
Tran viu recusada a autorização para filmar no Vietname, o que obrigou a produção a recriar Saigão dentro de um estúdio em França, algo que não é muito notório numa primeira análise, apesar de ser um filme que se passa muito em interiores, e quase sempre nos mesmos cenários; meia dúzia de divisões, uma ou duas ruas. A simulação é perfeita, pois em momento algum duvidamos que estamos a assistir a uma história passada no Vietname. Talvez por ter apreciado o resultado final, o governo Vietnamita permitiu a filmagem de «Cyclo» em Ho Chi Min, mas viria a bani-lo em seguida (certamente por ter detestado o resultado final).
Tran interessa-se pelas motivações internas das suas personagens, sem recorrer a muitas manifestações externas ou ao contacto com os outros. De um modo geral, as personagens guardam as suas preocupações para si mesmas. Os diálogos são mínimos – o "romance" do segmento final é quase sem palavras, podendo o espectador chegar a pensar que, por alguma razão, Mùi perdeu a fala – e existem diversos grandes planos, em estilo quase documental, de plantas, insectos, rãs, lagartos, etc., os quais são contemplados pelas personagens, em particular pelo filho do meio e por Mùi, como um modo de compensar o seu isolamento em relação aos demais. No caso do miúdo trata-se de uma reacção aos vários problemas familiares: a morte da irmã, que ainda afecta cada membro da família, as fugas do pai, o desespero da mãe, a tristeza da avó, que, ainda assim, não deixa de culpar a nora, por todos os males que os afectam. Por essa razão a interacção dele com a natureza circundante é sobretudo destrutiva (queima e esmaga formigas, usa uma fisga, etc.) O olhar de Mùi é oposto: apesar de vir de uma família muito pobre e de ser órfã de pai, tudo para ela ali é descoberta e motivo de fascínio. Está feliz com a sua existência simples e tem esperança no amanhã. É assim que se deixa seduzir pelas pequenas coisas que a rodeiam, dos pequenos insectos, às sementes no interior de uma papaia. Olha-as, cheira-as, toca-lhes.
Os planos quase microscópicos em que se enquadram os insectos podem fazer recordar o cinema de Imamura Shohei, mas o seu emprego é diverso, pois o cineasta japonês usa-os enquanto ilustração ou paralelo da vida humana ou das personagens dos seus filmes, enquanto aqui são elementos exteriores às personagens, mas importantes para ilustrar os seus estados de alma.
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