Love Conquers All
Realizado por Tan Chui Mui
Holanda/Malásia, 2006 Cor – 90 min. DV 4:3.
Com: Coral Ong Li Whei, Stephen Chua, Leong Jiun Jiun, Ho Chi Lai
drama
poster
Ah Ping (Ong) vai para a capital malaia, Kuala Lumpur, para trabalhar no restaurante da tia. Durante as suas idas a uma cabine de telefone pública, para telefonar aos pais e ao namorado, é abordada por um indivíduo, que mais tarde se apresentará como John (Chua). John é persistente e os dois começam a encontrar-se com regularidade. Num bar, ele aponta um primo que diz ser "chulo" e explica os métodos usados para enganar raparigas ingénuas: seduze-las, desaparece por algum tempo sem avisar e contacta-as mais tarde, dizendo que está em sarilhos e precisa de dinheiro. O dinheiro não é suficiente e elas acabam por prostituir-se, acreditando que estão a fazê-lo para salvar o namorado e não, de facto, a trabalhar para ele.

N.b.: Este comentário não conseguiu evitar referir-se a pormenores narrativos que alguns leitores podem preferir não conhecer antes de ver o filme. Pessoalmente, tendo em conta a natureza do mesmo, não considero que a sua abordagem seja relevante nesse âmbito. Em todo o caso, pode optar por evitar a zona cinzenta no final do texto, ou seleccioná-la com o rato para uma melhor leitura.

«Love Conquers All» é a primeira longa-metragem de Tan Chui Mui, malaia de ascendência chinesa, que trabalhou como jornalista e dirigiu várias curtas 1. O filme foi apresentado em vários festivais internacionais e venceu — ex-æquo com «Betelnut» («Binglang»), do chinês Yang Heng — o prémio “Novas Correntes” no Pusan International Film Festival, a principal distinção do festival sul-coreano, onde recebeu também o prémio FIPRESCI. Outras distinções incluem o Golden Digital Award no Hong Kong International Film Festival e o Tiger Award em Roterdão (atribuído a quatro filmes).

Rodado em vídeo digital, com um orçamento reduzido e com o suporte do Hubert Bals Fund, do Festival Internacional de Cinema de Roterdão 2, o filme de Tan assenta num estilo distanciado e “imparcial”, quase documental, característico de uma vertente da “arte e ensaio” que encontramos tanto no cinema europeu como no asiático (por exemplo, em Tsai Ming-liang e Jia Zhangke). As personagens são chineses (han), parte da mais expressiva minoria étnica da Malásia (30% da população), país maioritária e oficialmente islâmico.

O mais interessante desta primeira obra passa por um certo realismo social, enquadrado por uma lente que se posiciona como observadora neutral, em planos longos e estáticos, cuja casualidade é intensificada pela câmara à mão. Assistimos à mudança de Ah Ping para a cidade e a ajustar-se a uma nova rotina; a trabalhar no restaurante ou a fazer compras no mercado. Os planos exteriores, frequentes, acompanham a protagonista na rua, por entre bancadas de venda de vegetais, numa rodagem que não é encenada e captura os “figurantes” a olharem, com curiosidade, para a câmara.

As relações entre as personagens, com centro na protagonista, funcionam em toda a sua aparente banalidade. O filme poderia viver da observação do quotidiano, da interacção de Ah Ping com a prima, uma miúda que se corresponde com o “namorado”, que vive algures na cidade; com a tia, patroa no local de trabalho, uma segunda mãe em casa; com John, o misterioso sedutor que não desiste de se insinuar, mesmo vendo-a telefonar para o namorado que deixou na cidade onde vivia.

O cinema de autor tende a preocupar-se mais com conceitos e personagens do que com uma narrativa estruturada — algo mais ou menos essencial no cinema de género ou comercial. Tan Chui Mui não teve dúvidas sobre o registo ou o tipo de filme que dirigiu, mas há aqui o que me parece ser um conflito entre a perspectiva “ensaísta” e a vontade de definir uma narrativa com uma estrutura “normalizada”.

Ah Ping não parece uma jovem destituída de capacidades críticas, mas o filme, casualmente, pretende que ela se deixe colocar numa situação para a qual já tinha sido prevenida. Tal não é fácil de aceitar, ainda que se possa considerar subordinado a um conceito que subjaz ao filme: o amor pode dominar qualquer um e puxar o tapete da racionalidade debaixo dos seus pés. É John quem o diz, explicando a razão pela qual as jovens de deixam prender, daquela forma: acreditam que “o amor conquista todos”.

Numa cena a meio do filme, quando John leva Ah Ping num passeio de carro contra a vontade dela, ela insiste para que ele a deixe sair, mas ele responde que a vai levar onde quer e que ela não pode evitá-lo — excepto se saltar do carro em andamento. Há aqui uma possível metáfora para as opções e atitude da protagonista. Ela não quer continuar ou está insegura do que quer de facto; a sua resistência torna-se demasiado passiva para produzir resultados. Por outro lado, quando se afirma que a única forma de parar é saltar do carro (com possíveis consequências letais), está-se a sugerir que o seu é um destino já traçado.

À medida que o filme prossegue, a montagem torna-se mais elíptica e insensível ao destino das personagens centrais. Insere-se um plano que parece contrariar o destino definido de Ah Ping, de forma a, talvez, suscitar dúvidas ao espectador. Formalmente, tudo indica que se trata de um flashback — pelas roupas e pelo cenário —, voltando a momentos passados dias antes, mas permite-se assim, de certa forma, concluir o filme com um registo mais leve e positivo.

Não são as personagens centrais que encerram o filme, mas a tia e a prima de Ah Ping, que circulam pela estrada de motorizada, frisando-se a insignificância da jovem para o dia-a-dia do mundo, da cidade e até da sua própria família. Ignorar a protagonista e enquadrar a felicidade da miúda e da mãe é uma forma fria e até cruel de colocar um ponto final na história. Umas pessoas caem, outras mantêm-se de pé e a vida continua (ob-la-di ob-la-da). Tan Chui Mui não tem compaixão para partilhar com a personagem, afogada num mar de trágica inevitabilidade.

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1 A romanização do nome da realizadora corresponde à pronúncia dos caracteres 陳翠梅 em cantonês, que será o dialecto dominante do filme. A leitura em mandarim (pinyin) é Chen Cuimei [Tsuimei].

2 O Hubert Bals Fund é suportado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Holanda, pelas organizações não governamentais Hivos e NCDO, a DOEN Foundation e a rede pública de emissão holandesa NPS.

IndieLisboa 2007 (Grande Prémio — partilhado com «El Amarillo», da Argentina).

publicado online em 27/4/07

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