Kwaidan
Kaidan
怪談
Realizado por Kobayashi Masaki
Japão, 1965 Cor – 161 min. Anamórfico.
Com: Aratama Michiyo, Watanabe Misako, Mikuni Rentaro (The Black Hair), Nakadai Tatsuya, Kishi Keiko, Hamamura Jun (The Women of the Snow), Nakamura Katsuo, Tanba Tetsuro, Shimura Takashi (Hoichi, the Earless), Nakamura Kanemon, Takizawa Osamu, Sugimura Haruko, Nakaya Noboru (In a Cup of Tea)
drama horror época fantasmas
Capa DVD
The Black Hair (黒髪, 37'). Um samurai pobre ( Mikuni) abandona a mulher (Aratama), em busca de uma vida melhor, fama e riqueza. Volta a casar-se, mas não encontra a felicidade e, um dia, decide regressar ao antigo lar.

The Woman of the Snow (雪女, 36'). Dois lenhadores são fustigados por uma tempestade de neve numa floresta, e refugiam-se numa velha cabana. Mikonichi (Nakadai), o mais jovem, acorda a meio da noite e vê, horrorizado, uma mulher de branco (Kishi) que mata o companheiro, Mosaku, com o seu sopro gelado. A mulher poupa Mikonichi, mas avisa-o que morrerá se contar a alguém o que viu.

Hoichi, the Earless (耳無芳一の話, 62'). Hoichi (Nakamura) é um monge cego que toca biwa e canta a história da batalha entre os clãs Heike e Genji (Séc. XXII). O talento de Hoichi atrái os fantasmas dos Heike que requerem a sua presença continuamente. Os anciões do templo tomam conhecimento do que se passa e decidem intervir, antes que o jovem seja consumido pelo esforço.

In a Cup of Tea (茶碗の中, 26'). Um escritor (Takizawa) conta a história de um samurai (Nakamura) que vê um rosto sorridente reflectido na sua chávena. A presença assombra-o e acaba por se revelar fisicamente.

«Kwaidan» baseia-se em histórias escritas por Lafcadio Hearn, nascido na ilha grega de Lefkas, de pai anglo-irlandês e mãe grega. Hearn viveu nos EUA, onde trabalhou como jornalista, e viajou para o Japão, onde se radicalizaria em finais do Séc. XIX, adoptando o nome Koizumi Yakumo. “Kwaidan” foi escrito em 1904.

Black Hair: um samurai pobre abandona a mulher e volta a casar, para alcançar riqueza e uma boa posição social.

As histórias de horror reunidas aqui por Kobayashi Masaki são tão típicas quando antiquadas, numa época em que o "sobressalto" e a "reviravolta" são a norma no cinema de género, ocasionalmente substituídos por uma esperteza artificiosa que passa por argumento bem construído. «Kwaidan» nem sequer investe no suspense. Não há surpresas, nem têm que haver. A força da narrativa sustém-se sem "efeitos", formais ou a nível de texto.

Kobayashi pintou, pela própria mão, os cenários usados, num filme que foi, em grande parte, rodado em estúdio — um enorme hangar abandonado —, num ambiente rigorosamente controlado. Todo o som foi gravado à parte, assegurando ainda um maior controle do resultado final por parte do realizador.

The Woman of the Snow: um jovem lenhador sobrevive ao encontro com uma criatura da neve.

O filme é criado como se de uma pintura se tratasse, com Kobayashi a adicionar várias camadas — cenários, rodagem, som —, cada uma sobre a anterior. O conjunto resulta num filme que rejeita o realismo e prima por uma teatralidade fortemente assente nas tradições japonesas.

A pintura não é algo que associemos metaforicamente ao cinema — sobretudo ao comercial —, mas a narrativa e o seu ritmo evocam também a literatura ou, mais especificamente, a escrita de ficção. Tal é mais evidente no segmento final, que se debruça sobre as histórias que os escritores deixam inexplicavelmente por finalizar. Este segmento, que a princípio se afere o menos interessante — é também o mais curto, podendo passar por uma espécie de epílogo, ainda que não haja continuidade narrativa —, acaba por ser mais explícito, na ilustração dos temas abordados, ao reforçar o “artificialismo” da narrativa ficcional, com um quebrar da “quarta parede” que não revela um estúdio de cinema, mas o estúdio de um escritor, engolido pela própria obra.

Hoichi the Earless: um músico cego tem de tocar para nobres mortos numa batalha há 700 anos.

Os dois primeiros segmentos têm mais impacto dramático directo por abordarem amor e promessas quebradas (mulheres abandonadas ou traídas pelos amantes). O horror que conclui surge como uma lição dura ou definitiva. Hoichi, no terceiro segmento, é vítima mesmo sendo religioso, inocente e cheio de talento. Qual o seu pecado? Mas ele é, afinal, também recompensado; o seu karma ditou-lhe o sofrimento para poder avançar para outro nível, no plano artístico, com o superior reconhecimento do seu talento. Uma metáfora, dolorosa, para todo artista ou criador que almeje alcançar a fama.

In a Cup of Tea: um samurai é assombrado por um reflexo, numa história inacabada.

«Kwaidan» passou pelo festival de Cannes em 1965 onde ganhou o Prémio Especial do Juri. Quando foi distribuído nas salas dos EUA, pensou-se essencial reduzir a sua duração e, em vez de se cortarem os "momentos mortos", optou-se por remover o segundo segmento, “The Woman of the Snow”. A Criterion viria a corrigir essa lamentável situação, lançando o filme em DVD, em 2000, numa cópia bastante aceitável.

5

O DVD da Criterion (R1) é provavelmente ainda a melhor edição legendada do filme no formato. A cópia não é perfeita, nem a transferência, mas se todos os filmes com 50 anos pudessem ser vistos nestas condições não ficávamos nada mal servidos. Também há que ter em conta que a edição é já de 2000. Imagem anamórfica, som mono original. De extras, apenas um trailer.

publicado online em 5/8/05

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