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The Black Hair (黒髪, 37'). Um samurai pobre ( Mikuni) abandona a mulher (Aratama), em busca de uma vida melhor, fama e riqueza. Volta a casar-se, mas não encontra a felicidade e, um dia, decide regressar ao antigo lar.
The Woman of the Snow (雪女, 36'). Dois lenhadores são fustigados por uma tempestade de neve numa floresta, e refugiam-se numa velha cabana. Mikonichi (Nakadai), o mais jovem, acorda a meio da noite e vê, horrorizado, uma mulher de branco (Kishi) que mata o companheiro, Mosaku, com o seu sopro gelado. A mulher poupa Mikonichi, mas avisa-o que morrerá se contar a alguém o que viu.
Hoichi, the Earless (耳無芳一の話, 62'). Hoichi (Nakamura) é um monge cego que toca biwa e canta a história da batalha entre os clãs Heike e Genji (Séc. XXII). O talento de Hoichi atrái os fantasmas dos Heike que requerem a sua presença continuamente. Os anciões do templo tomam conhecimento do que se passa e decidem intervir, antes que o jovem seja consumido pelo esforço.
In a Cup of Tea (茶碗の中, 26'). Um escritor (Takizawa) conta a história de um samurai (Nakamura) que vê um rosto sorridente reflectido na sua chávena. A presença assombra-o e acaba por se revelar fisicamente.
«Kwaidan» baseia-se em histórias escritas por Lafcadio Hearn, nascido na ilha grega de Lefkas, de pai anglo-irlandês e mãe grega. Hearn viveu nos EUA, onde trabalhou como jornalista, e viajou para o Japão, onde se radicalizaria em finais do Séc. XIX, adoptando o nome Koizumi Yakumo. “Kwaidan” foi escrito em 1904.
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Black Hair: um samurai pobre abandona a mulher e volta a casar, para alcançar riqueza e uma boa posição social. |
As histórias de horror reunidas aqui por Kobayashi Masaki são tão típicas quando antiquadas, numa época em que o "sobressalto" e a "reviravolta" são a norma no cinema de género, ocasionalmente substituídos por uma esperteza artificiosa que passa por argumento bem construído. «Kwaidan» nem sequer investe no suspense. Não há surpresas, nem têm que haver. A força da narrativa sustém-se sem "efeitos", formais ou a nível de texto.
Kobayashi pintou, pela própria mão, os cenários usados, num filme que foi, em grande parte, rodado em estúdio — um enorme hangar abandonado —, num ambiente rigorosamente controlado. Todo o som foi gravado à parte, assegurando ainda um maior controle do resultado final por parte do realizador.
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The Woman of the Snow: um jovem lenhador sobrevive ao encontro com uma criatura da neve. |
O filme é criado como se de uma pintura se tratasse, com Kobayashi a adicionar várias camadas — cenários, rodagem, som —, cada uma sobre a anterior. O conjunto resulta num filme que rejeita o realismo e prima por uma teatralidade fortemente assente nas tradições japonesas.
A pintura não é algo que associemos metaforicamente ao cinema — sobretudo ao comercial —, mas a narrativa e o seu ritmo evocam também a literatura ou, mais especificamente, a escrita de ficção. Tal é mais evidente no segmento final, que se debruça sobre as histórias que os escritores deixam inexplicavelmente por finalizar. Este segmento, que a princípio se afere o menos interessante — é também o mais curto, podendo passar por uma espécie de epílogo, ainda que não haja continuidade narrativa —, acaba por ser mais explícito, na ilustração dos temas abordados, ao reforçar o “artificialismo” da narrativa ficcional, com um quebrar da “quarta parede” que não revela um estúdio de cinema, mas o estúdio de um escritor, engolido pela própria obra.
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Hoichi the Earless: um músico cego tem de tocar para nobres mortos numa batalha há 700 anos. |
Os dois primeiros segmentos têm mais impacto dramático directo por abordarem amor e promessas quebradas (mulheres abandonadas ou traídas pelos amantes). O horror que conclui surge como uma lição dura ou definitiva. Hoichi, no terceiro segmento, é vítima mesmo sendo religioso, inocente e cheio de talento. Qual o seu pecado? Mas ele é, afinal, também recompensado; o seu karma ditou-lhe o sofrimento para poder avançar para outro nível, no plano artístico, com o superior reconhecimento do seu talento. Uma metáfora, dolorosa, para todo artista ou criador que almeje alcançar a fama.
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In a Cup of Tea: um samurai é assombrado por um reflexo, numa história inacabada. |
«Kwaidan» passou pelo festival de Cannes em 1965 onde ganhou o Prémio Especial do Juri. Quando foi distribuído nas salas dos EUA, pensou-se essencial reduzir a sua duração e, em vez de se cortarem os "momentos mortos", optou-se por remover o segundo segmento, “The Woman of the Snow”. A Criterion viria a corrigir essa lamentável situação, lançando o filme em DVD, em 2000, numa cópia bastante aceitável.
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