No limiar do regresso de Hong Kong à soberania chinesa, Marcus Ray (Van Damme) e Tommy Hendricks (Schneider), trabalhando na indústria do vestuário, são visitados por Karen Leigh (Rochon), dos escritórios centrais das V-SIX Jeans. Leigh investiga a exportação de um grande número de peças de roupa falsificada, tal como a CIA, comandada naquele território por Johannson (Sorvino), que persegue um grupo terrorista russo que utiliza material contrafeito para exportar explosivos miniatura deflagráveis via satélite.
«Knock Off» ("falsificação") é a segunda incursão de Tsui Hark num "filme de Van Damme", depois de «Double Team» (1997). Ele gostou da experiência ou deu-se bem com a remuneração. Os fãs (os "verdadeiros"…) reclamam que se vendeu a Hollywood, o que será sempre verdade, independentemente da opinião: pagam-lhe o salário. Tem de se compreender a irritação daqueles que seguem o percurso do realizador, já que este é uma espécie de pai da "nova vaga" do cinema de Hong Kong, responsável por filmes como «Zu: Warriors from the Magic Mountain» (1983), «Peking Opera Blues» (1986) ou pela série «Once Upon a Time in China» (1991-94), baseada na vida de um verdadeiro "herói" Chinês, Wong Fei-Hong, contando até agora com cinco filmes. Wong era interpretado por Jet Li, que entretanto teve o prazer de pontapear Mel Gibson em «Lethal Weapon 4» (1998) e que, aparentemente, recusou participar neste «Knock Off». Depois de em «Zu» terem surgido conflitos com a produtora Golden Harvest, Tsui criaria a Film Workshop, a qual viria a apadrinhar muitas das mais influentes obras da cinematografia daquele território.
Van Damme Jean-Claude, a estrela belga, obviamente reduz à categoria de secundários os actores orientais. Na verdade, Michael Wong e Carmen Lee são praticamente "terciários". Um e outro participam numa cena de acção aparatosa (cena 21 e 43B, respectivamente) e depois são postos de lado. Que desperdício. Mas «Knock Off» é acima de tudo um conjunto de cenas de acção cozidas para encher 90 minutos. Com linha dupla como um genuíno par de jeans V-SIX? As opiniões não se dividem muito; o filme tem sido odiado aqui e ali (mas como é estreado praticamente na mesma altura que nos EUA, não houve ainda muito tempo para prestar atenção às ondas de choque críticas, que normalmente já definiram um filme como obra-prima ou pastel, alguns meses antes do o vermos). O argumento é de Stephen E. de Souza, autor dos textos de um bom «Die Hard» (1988) e de um atroz «Judge Dredd» (1995), e o que quer que ele ande a dizer sobre o "tema" de «Knock Off», não há que evitar enfrentar a questão: o texto dele é mau. Tal não invalida que existam cenas de acção bem coreografadas e em abundante quantidade, e num filme com Van Damme não se pode esperar encontrar profundidade dramática ou algo parecido. Há que equilibrar o nível de idiotia do texto com a perícia técnica do realizador, a montagem, coordenadores de duplos, técnicos de artes marciais e – neste caso também – com os efeitos especiais digitais.
OK, quer saber mais sobre a acção. Bom, está excelentemente bem coreografada e filmada (mas correm rumores que Sammo Hung, "director de acção", se sentiu ultrajado com a forma como montaram o seu trabalho), mas, aqui e ali, pontuada por efeitos digitais algo primitivos. Há mesmo uma cena em que o nosso amigo belga (ou alguém parecido) se vê pendurado num cabo (ele é suposto deslizar por um cabo horizontal, mas referimo-nos – obviamente –, a um cabo vertical). Noutras ocasiões a projecção traseira é tão má como a dos filmes de Hitchcock, mas talvez a intenção tenha sido essa, devido à temática do filme.
A história é holliwoodesca na sua fraqueza, mas visualmente «Knock Off» é um filme "de" Hong Kong. A equipa técnica é maioritariamente Hongkie, tal como os secundários; as estrelas e o argumento são americanos… Van Damme tenta dar um ar de cómico slapstick – talvez a pensar em Jackie Chan – que é mais um knock off. Também foi durante a rodagem do filme que ele admitiu grandes problemas com drogas, e há quem atribua aquele ar perdido e desamparado a uma fileira a mais. Ele não é propriamente um "actor", e quando as acrobacias se vão desenrolando deixamos de dar muita importância a esse facto. Há uma sequência entre Van Damme e o seu sidekick, Rob Schneider, envolvendo uma enguia, que é a mais hilariante do filme. Nem toda a gente assim pensa, mas o modo como Schneider faz pausas ao dizer aquelas linhas, referentes ao posterior de Van Damme, têm de ter algum significado. A cena está inscrita na secção de "violência" do site screenit.com (dá que pensar).
Tsui Hark (dever-se-á ler Txói Hók) usa e abusa de todas as pirotecnias possíveis com as câmaras, como um "dolly in, zoom out" (efeito vertigo) sobre Paul Sorvino sem qualquer correspondência emocional: o homem está só a falar, e nem é nada que nos deva interessar muito. Os efeitos digitais são usados para prolongar investidas esquizofrênicas das câmaras, entrando por circuitos electrónicos ou miras telescópicas e saindo pelo outro lado. Uma parafernália de efeitos e malabarismos para esconder a "artificialidade" do argumento? Não parece. Antes para a reforçar. E, convenhamos, Tsui demonstra ter mandado o dito argumento às malvas muito cedo no filme e deve ter mais preocupações do que camuflar o que quer que seja. Veja-se a cena do interrogatório, em que entramos pela câmara de vigilância, passeamos pelos circuitos, e vamos juntar-nos aos polícias que assistem na outra sala. Melhor ainda, e verdadeiramente gratuito, é o momento em que a câmara se atira contra um recente cadáver apenas para melhor enquadrar o objecto que o empalou.
De certeza que o realizador se divertiu imenso. O espectador também o fará. Basta não se preocupar em seguir o "argumento", antes seguindo a câmara, os pés, os punhos, as balas e as enguias.
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