Nado Anaega Isseoseumyeon Joketta [I Wish I Had a Wife]
I Wish I Had a Wife, Too
나도... 아내가 있었으면 좋겠다
Realizado por Park Heung-shik
Coreia do Sul, 2001 Cor – 100 min.
Com: Seol Gyeong-gu [Sol Kyung-gu], Jeon Do-yeon, Jin Hui-gyeong, Seo Tae-hwa, Heo Jang-keun, Min Kyeong-jin, Choi Yun-seon, Park Nim-hui, Min Yun-jae, Mun Jeong-hui
drama comédia romance
Capa DVD
Kim Bong-su (Seol) é um bancário que chega à conclusão que já deveria ter a vida organizada de outro modo, nomeadamente abandonando o estatuto de solteiro. Quando discute as vantagens do celibato com o amigo, é surpreendido quando aquele lhe anuncia o casamento, deprimindo-o ainda mais, como se tal o tornasse, subitamente, no único solteiro do mundo. Wong-ju (Jeon) é professora primária, numa escola situada em frente ao banco onde Bong-su trabalha. Ela observa-o à distância, faz muitas operações bancárias, fala sozinha para as câmaras de segurança das ATMs, insinua-se, mas ele parece não notar a sua existência. Bong-su reencontra, algo acidentalmente, uma velha conhecida (Jin) — agora artista plástica, à procura de um lugar ao sol — e pensa se não será ela a pessoa certa.

«I Wish I Had a Wife» é mais uma obra sul-coreana que surpreende pelo minimalismo narrativo e assenta num texto cuidadosamente escrito e, sobretudo, em personagens bem delineadas, que carregam sobre si todo o peso do filme. O realizador não é uma figura manipuladora: não reconhecemos a sua presença nos ângulos de câmara, montagem imaginativa ou o que quer que seja que chame a atenção para a componente visual ou concepção estética do filme. O realizador, aqui, é um director de actores. Isto não implica um registo cinematográfico passivo, mas sim uma subordinação ao trabalho dos actores. É mais fácil comentar o estilo de um realizador quando tal passa por experimentalismo ou por um tratamento estético peculiar, mas tanto um estilo vincado como "a ausência de estilo" podem ser fracassos, se não conferirem a moldura adequada ao material que se tem em mãos.

Petiscos Elevador
Quem está farto da vida de solteiro, o que faz quando fica preso num elevador com uma menina bela e inteligente?

Park Heung-shik, assistente de realização de Hur Jin-ho em «Palwol-ui Keuliseumaseu» [«Christmas in August»] (1998), não dá espaço para que nos preocupemos com o que está no final do percurso, levando-nos antes a concentrar a atenção no caminho que as personagens percorrem até lá. É fácil rotular «I Wish I Had a Wife» como "comédia dramática romântica", mas os relacionamentos não são apresentados do modo mais convencional; desde logo, a aproximação dos protagonistas, ou de uma pelo outro, não é construída como se tratasse de uma paixão avassaladora, o homem/mulher da sua vida, ou algo nesses termos. Pode-se contrastar um pouco com a paixão adolescente que a mesma Jeon Do-yeon tão bem deu corpo em «Nae Maeumui Punggeum» [«Harmonium in my Memory»] (1999), no papel de uma aluna apaixonada pelo seu professor; um amor tão forte que a leva a saltitar pelos campos, no meio dos passarinhos, ou a gritar de alegria com a câmara a rodopiar em seu redor (um plano que terá aqui paralelo, com contenção, subtileza, e para ilustrar sentimentos similares de uma pessoa mais madura). A perspectiva do lado de Bong-su é similarmente "prática". Pode ser esta pessoa, pode não ser, estou bem com ela, OK; não estou, paciência. Não se espere um daqueles momentos em que ele exclama "sim, é ela que eu amo!", precedendo uma corrida em slow-motion pela chuva, a caminho da igreja, onde o padre pergunta pela terceira vez se ela aceita casar com o actor secundário, sucedâneo de um protagonista entretido com outras coisas durante dois terços do filme.

Petiscos Elevador

No entanto, «I Wish...» não é propriamente uma obra fria ou “anti-romântica”. O tratamento narrativo é naturalista, terra-a-terra — menos conto de fadas ou tragédia shakesperiana (se não nos podemos amar, que venha a cicuta, sem gelo). O que nos prende é o modo como evoluem as duas personagens, as quais sabemos que foram feitos uma para a outra desde o início (afinal são cabeças de cartaz). A estrutura também não é exactamente convencional, fechando-se a narrativa quando há a “resolução”, o que reforça a rejeição pelo convencionalismo. O modo pouco histriónico com que os sentimentos são veiculados não implica uma total banalidade e casualidade das (possíveis) relações, como se poderia eventualmente inferir pelo que foi referido, sendo antes consequência de termos duas personagens que contrariam o registo mais clássico e guardam muito daquilo que sentem dentro de si. A subtileza da representação de Jeon pode servir para exemplificar este conceito, nos vários momentos em que, praticamente estática, apenas com leves oscilações da sua expressão facial, consegue transmitir emoções complexas.

Há algum humor que não resulta da graça em si das situações, antes depende do modo como são apresentadas e por quem são apresentadas. Isto é, só funciona por já conhecermos bem as personagens. Algumas situações desenvolvem-se a partir da relação de Wong-ju com os seus alunos e existem também algumas piadas nonsense contadas por ela, daquelas que serão consideradas idiotas por uns e meio hilariantes por outros, uma das quais é difícil de absorver no timing adequado, porque se baseia num trocadilho com fonemas japoneses 1. A legendagem do DVD, curiosamente, oferece duas hipóteses de tradução, o que não me parece que sucedesse na película.

Jeon
Em conclusão, trata-se de um filme simples e directo-ao-assunto — dir-se-ia "leve", mas sem a conotação negativa que por vezes o termo transporta —, conduzido pelas personagens e não pelo guião, que se sustém em desempenhos muito credíveis dos actores principais, dois respeitados actores coreanos. Jeon, além de ter participado em «Harmonium in my Memory» e em «Happy End» (também em 1999), surgiu recentemente numa espécie de papel de acção, em «Pido Nummuldo Eobshi» [«No Blood No Tears»], apresentado no Festival de Sitges de 2002. Seol Gyeong-gu, que também marcou presença no mesmo evento com «Gonggongeui Jeok» [«Public Enemy»], desempenhou um papel mais exigente num dos mais falados e galardoados filmes sul-coreanos dos últimos tempos: «Oasis», de Lee Chang-dong.

Fica ainda uma nota final para o score jazz de Jo Seong-u que funciona surpreendentemente bem.

4

(1) Um segundo visionamento em película - que se presume ter a mesma legendagem da cópia projectada no Fantasporto, em 2001 - negou essa impressão. Surgem duas opções, virtualmente impossíveis de ler por surgirem por muito pouco tempo no ecrã. Voltando ao DVD coreano:

Legendas em inglês:
Wata-nomata (Water no matter)
Bisairo-maka (Slip through raindrops)

Legendas em coreano:
비사이로막가 [bisairomakga]

A primeira frase é uma tentativa de adaptar a piada com termos ingleses adaptados para soarem japonês. A segunda linha presume-se uma tradução literal do trocadilho em coreano. (16/12/06)

Fantasporto 2001. Semana do Cinema Coreano, na Cinemateca Portuguesa, Dezembro de 2006. Disponível em DVD sul-coreano (EnterOne, R3), numa transferência vídeo sólida e com uma pista Dolby 5.1 adequada. Os extras (não legendados) incluem trailers e material de bastidores.

publicado online em 9/5/03

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