Um jovem que trabalha num bar vê-se forçado a ajudar um amigo. Só lhe é pedido que tome o lugar de um tailandês, lutador de boxe muay thai, que, por alguma razão, não compareceu num combate agendado e cujo desfecho está já acertado, para evitar surpresas para alguns apostadores. Ao contrário do que se poderia prever, “beijar o tapete” ao segundo round, não é tão fácil como parece. À medida que o filme se desenvolve, introduzem-se mais dois pares de personagens, igualmente envolvidos no mesmo cenário — um bar onde se desenrolam lutas ilegais — e regressamos outras tantas vezes ao ponto de partida.
Sabu é um nome “de culto” do cinema japonês. Quem não o conheça mas vá dando alguma atenção às cinematografias nipónicas não pode ter deixado de o ter anotado mentalmente, mas talvez não sejam muitos os que por cá têm um conhecimento profundo da sua obra. Trabalhando como actor, desde o início dos anos 90, participou mais recentemente no ultra-violento «Ichi the Killer» (2001), de Miike Takashi, ao lado de outro realizador-actor — Tsukamoto Shinya. Os créditos de Sabu como realizador começam com «D.A.N.G.A.N Runner» (1996), que foi apresentado em Portugal no Fantasporto de 1999. O 1º Festival de Cinema Independente de Lisboa apostou em «Hark Luck Hero», para “reintroduzir” o realizador japonês às audiências nacionais. «Blessing Bell» (2002), produzido no mesmo ano do talvez mais célebre «Drive», foi apresentado em 2003 no Festival de Cinema Asiático de Deauville, onde tivemos a oportunidade de o visionar.
Dois títulos serão insuficientes para tecer juízos minimamente consistentes sobre um realizador, mas com base em «Blessing Bell», «Hard Luck Hero» e nos conceitos de outros filmes de Sabu, não é difícil de concluir que o realizador procura criar um estilo de cinema onde o texto é um mero esqueleto, sobre o qual se desenvolve uma experimentação com o contar de uma história, visualmente e através da montagem. Estes filmes não parecem basear-se num guião convencional, mas numa estruturação horizontal de quadros consecutivos, estabelecendo uma progressão contínua de um ponto ao outro. Em «Blessing Bell», o caminho repete-se, no sentido contrário, quando chega o momento de arrumar a história, com uma espécie de “punchline”; neste «Hard Luck Hero» há uma confluência de narrativas paralelas com regressos a momentos anteriores do tempo que nos levam a repetir os mesmos segmentos cronológicos por outro ângulo ou pelo ponto de vista de outras personagens. Um dos últimos planos ilustra esta tendência de Sabu para construir histórias horizontalmente, quando se enquadram as personagens principais, uma a uma, através de um lento travelling.
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Sabu, alias Tanaka Hiroyuki |
Divertimento ligeiro de 90 minutos seria uma forma de definir sumariamente esta obra. Mas a expressão não deve ser vista com qualquer conotação de negatividade. Pudéssemos nós ver regularmente em salas de cinema nacionais muitos filmes com (bom) entretenimento ligeiro, que se ficassem pela hora e meia de duração. «Hard Luck Hero», visto isoladamente ou ao lado de «Blessing Bell», não anuncia exactamente um auteur a ter em atenção, nem deverá gerar considerações do género “como é que podemos continuar a ignorar este fantástico realizador japonês?”, mas é suficiente para motivar a procura pelos que serão os seus títulos superiores. O elenco é aqui composto pelos seis elementos da boysband nipónica V6, o que poderá ser um indício da leveza do registo cinematográfico de Sabu. Em todo o caso, não estamos perante um videoclip prolongado, nem um mero veículo promocional dos rapazolas. O dinamismo com que Sabu filma e a remistura da narrativa, aliado à curta duração do filme, impedem que a audiência se aborreça.
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