Gokudo Sengokushi: Fudo [Fudoh: The New Generation]
極道戦国志 不動
Realizado por Miike Takashi
Japão, 1996 Cor – 100 min.
Com: Tanihara Shosuke, Takano Kenji, Marie Jinno, Nomoto Miho, Kenmochi Tamaki, Caeser Takeshi, Niizuma Satoshi, Minegishi Toru, Takeushi Riki
crime comédia yakuza gangster
Capa DVD
Riki (Shosuke) aparenta ser um estudante de liceu normalíssimo, mas, por detrás do ar pacato e do uniforme standartizado, esconde-se o líder de um grupo criminoso que ameaça a sobrevivência de gangs rivais, liderados pela geração anterior. Entre os inimigos declarados inclui-se o próprio pai, Iwao (Minegishi), com quem vive. O patriarca Fudoh não hesitou em usar o filho mais velho, 10 anos atrás, como moeda de troca para apaziguar um conflito entre grupos rivais, suscitando um desejo de vingança, reprimido pelo filho mais novo, ao longo dos anos. Riki não faz descriminação sexual, nem tem nada contra o trabalho infantil. Assim, para executar os cabecilhas dos gangs rivais, emprega dois miúdos que mal podem com as pistolas e duas jovens liceais: Touko (Kenmochi), que adoptou a metralhadora como arma de eleição e Mika (Nomoto), exímia no lançamento de dardos letais, os quais projecta de modo... bastante... invulgar. Mas para toda a acção há uma reacção e o caminho para o sucesso não está livre de dificuldades. Adaptado da manga de Tanimura Hitoshi (Wani Books), com guião de Morioka Toshiyuki.

«Fudoh», foi apresentado no Fantasporto de 1998, quando o festival iniciou a apresentação de uma selecção de cinema asiático regular, variada e coerente, agrupada sob a epígrafe “FantAsia” – a qual, infelizmente, teria mais uma edição, desaparecendo depois sem deixar rasto –, no âmbito em o filme viria a ser premiado (uma referência esfuziante a esse reconhecimento, com ponto de exclamação e tudo, chegou ao verso da decepcionante edição em DVD da norte-americana Media Blasters). Alguns leitores talvez se lembrem do trauma que parece ter afectado um crítico do "Público", que não deixava de referir as habilidades de uma das meninas, em quase todos os textos que escrevia, mesmo sobre outros filmes. Como o entendemos. É assustador chegarmos a um ponto em que um homem pacato não pode frequentar um clube de strip – estabelecimentos com intrínseco valor cultural (música, dança, etc.) e educativo (ajuda estudantes a pagar o colégio), além de que já constituem uma tradição muito forte, em certos países (logo, a preservar a qualquer custo) – sem se arriscar a levar com um dardo, tão vicioso como traiçoeiro.

«Fudoh» foi também o filme que, durante alguns anos, serviu como cartão de visita do realizador Miike Takashi, ao qual a revista francesa Mad Movies se chegou a referir como o salvador do cinema mundial (se este precisasse e quisesse ser salvo). O comentário pode ser exagerado, mas o output criativo de Miike é, no mínimo, espantoso; por entre trabalho para TV e cinema, não é invulgar que, num mesmo ano, assine cinco ou seis filmes. Daí decorre que o filme em causa já não constituirá a mesma referência de até há alguns anos atrás, não deixando, no entanto, de ser mencionado no conjunto da meia dúzia dos seus filmes mais populares. Desde então, outras obras do realizador japonês deram que falar, como «Audition» (1999) – distribuído entre nós com um título infeliz, o qual deve ser ignorado, na esperança que caia no esquecimento – «Dead or Alive» (1999), «City of the Lost Souls» (2000), «Ichi the Killer» (2001) ou a sua entrada para a série "Love Cinema", «Visitor Q» (2001).

Fudoh Sensei Fudoh

Esta obra é baseada numa manga (tal como o mais recente «Ichi the Killer») e tal não deixa de se notar, em particular nas personagens muito bem definidas, tanto no que toca às suas caracterizações físicas, como quanto às respectivas habilidades letais. Sem falar na violência, por vezes "cartoonesca" (ou "manga-esca"?), patente em muitas sequências. Com isto não se quer dizer que Miike usa a violência de modo "light", onde o exagero dilui o seu impacto e só provoca risos. Não estamos no território das obras de Peter Jackson, como «Bad Taste» (1987) ou «Braindead» (1992), nem nada que se pareça. A violência poderá não ter um efeito visceral muito vincado, devido ao seu irrealismo (sangue em cascata ou a origem de alguns projécteis), mas não se torna inteiramente inconsequente pelo prisma dramático.

Miike Takashi gosta de variar o género de filmes que realiza, bem como contrariar expectativas, algo que se supõe quase forçoso, para quem trabalha à sua velocidade. Com orçamentos limitados, consegue transmitir uma grande energia às cenas que filma, recorrendo a toda a espécie de efeitos, económicos mas eficazes. Uma pessoa que cai para a morte parece ser acompanhada pela câmara a grande velocidade, preparando-nos para um impacto violento; num plano contínuo, uma actriz perde a roupa, inesperadamente, sem que esta deixe vestígios, sem truques fotográficos ou de pós-produção; duas personagens interpretadas pelo mesmo actor, apresentam-se, sem perder tempo ou dinheiro com modernices, como "split-screen", com movimentos de câmara muito rápidos, para esconder a montagem ou com movimentos muito lentos, para o actor mudar da posição A para a posição B. Ou seja, os efeitos são crus, eficazes e baratos e conseguidos "in-camera". Enquadramento, ângulos e montagem funcionam na perfeição, de modo que, durante o visionamento do filme, os truques não são denunciados nem interferem no fluxo da história.

Gang Oh

«Fudoh» é o que se pode chamar de “entretenimento em estado puro”, desde que o espectador não tome tudo demasiado à letra ou seja facilmente ofendido pela violência nele presente ou por alguma sequência mais marota. Um sentido de humor é, pois, essencial, porque dificilmente alguém irá apreciá-lo como mero filme de gangsters ou de acção. Por outro lado, pode-se sempre acrescentar que não está totalmente despido de mensagem, apresentando um conflito de gerações no Japão moderno – patente também no mais recente «Battle Royale», de Fukasaku Kinji – ou o choque entre o mundo dos adultos e o dos adolescentes, descontentes com a sua herança sócio-cultural ou o desagregar da família nuclear convencional (mas, quanto a isto, a obra máxima é «Visitor Q»).

4

Disponível em DVD americano (Media Blasters, R1), uma edição muito pobre, visionável, mas não anamórfica, sem extras, nem sequer menus. Existem também duas edições europeias; uma delas com cortes. Aparentemente, a versão integral (MO Asia) não tem legendas em inglês, apenas em alemão e holandês e pistas de som em japonês e alemão. A futura edição britânica irá ser censurada em 21 segundos pelo BBFC, para remoção de "elementos de violência sádica e humilhação numa cena em que uma mulher é brutalmente espancada por um homem".

publicado online em 1/12/02

cinedie asia © copyright Luis Canau.