Numa província do interior tailandês, (provavelmente) nos anos 50, Rumpoey (Malucci), jovem filha do governador local, prometida em casamento ao capitão da policia, Kumjorn (Ruangvuth), espera por Dum (Ngamsan), num local previamente combinado. Mas ela desconhece que o pobre camponês, que conheceu ainda em criança, é agora o Tigre Negro, o braço direito do mais vicioso criminoso das redondezas, Fai (Medhanee), e que está demasiado ocupado a chacinar um grupo de traidores do seu patrão, com o companheiro Mahesuan (Kitsuwon). Nas vésperas do casamento, o capitão Kumjorn, desejoso de mostrar trabalho feito, prepara um ataque com vista a eliminar o perigoso bando.
«As Lágrimas do Tigre Negro» é um western produzido na Tailândia, cuja relativa originalidade visual lhe abriu as portas da exibição comercial em diversos países ocidentais, depois de dar nas vistas em festivais de cinema: foi premiado no Festival de Vancouver de 2000 (Dragons and Tigers Award) e no Festival Internacional de Cinema Fantástico de Puchon, Coreia do Sul (Prémio Especial do Júri), em 2001, vindo a obter notoriedade sobretudo depois de ser o primeiro filme tailandês a ser exibido na secção A Certain Regard de Cannes, no ano passado.
| Um duelo clássico revisitado em tons de pastel.
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A ferramenta empregue pelo realizador e argumentista Wisit Sasanatieng, na sua primeira longa metragem para cinema, seguindo-se a uma carreira de argumentista e realizador de publicidade, é, fundamentalmente, o pastiche, i.e., o corte e colagem de referências pré-conhecidas pela audiência. Sendo evidente que muitos elementos contornarão, a uma certa distância, os meios cognitivos da generalidade dos ocidentais (ou, quem sabe, dos não tailandeses), creio que se poderá dizer com segurança que as referências essenciais são o western spaghetti e o melodrama. Do primeiro todos conheceremos um pouco e as referências do segundo são universais (como se costuma dizer, a maioria das histórias de amor podem-se reconduzir a "Romeu e Julieta"). Existem alguns toques de realização que farão recordar Sam Raimi, ex-obreiro de filmes de terror low-budget, em particular o seu «The Quick and the Dead» (1995), que, por si só, já constituía uma homenagem ao spaghetti western, mas também no modo como as câmaras são usadas e na violência gráfica de algumas cenas. Isto é mais evidente num plano em que uma personagem rodopia para a morte depois de um tiro certeiro, com um impacto exageradamente sangrento. O mecanismo da câmara a acompanhar os projecteis, por seu lado, é usual no cinema de acção de Hong Kong, não sendo, no entanto, claro que tal estivesse na mente do realizador.
O conceito estético de «Fa Talai Jone» assenta em cores saturadas que dominam a maioria das cenas, nomeadamente o azul turquesa e o carmim, e na utilização de cenários e tratamento de imagem que reforçam a sua artificialidade. Para tal, o filme foi transferido para vídeo, trabalhado graficamente nesse suporte e novamente passado para película de 35mm. Isto resulta num certo look vídeo, também patente na aceleração da imagem em determinadas cenas. Sasanatieng salienta o artificialismo através de outras técnicas, como quando se sugere um movimento de câmara arrastando o actor mas mantendo a câmara estática, um pouco como se faria se se tratassem de elementos em diferentes níveis num filme de animação, ou recorrendo a sangue digital cor de groselha.
| Um exemplo do tratamento visual de «Lágrimas do Tigre Negro».
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O filme começa por admitir o domínio das componentes de acção e humor, com sequências tornadas ridículas pela violência, mas o drama também tem o seu lugar e é neste capítulo que as coisas se tornam menos atractivas, uma vez que a história é por demais – e inevitavelmente – déjà vu. Poderíamos considerar que faz tudo parte do gozo e que não é para levar a sério, mas, assim sendo, a mensagem não terá passado muito bem. O resultado seria muito mais eficaz, se o humor inundasse a componente pseudo-dramática, reforçando a sua falta de seriedade. É que se o pastiche é evidente na acção, parece ser demasiado subtil no melodrama. Ou talvez se baseie em referências a telenovelas tailandesas, tornando-se difícil entender a piada por cá.
O par romântico não é particularmente convincente, em particular o protagonista, que parece estar sempre desconfortável, mas o vilão Mahesuan constitui uma personagem interessante, graças ao patético overacting de Supakorn Kitsuwon e o seu bigodinho mal colado. É pena que as suas motivações não sejam desenvolvidas pelo guião de modo credível, nem que tal seja compensado de algum modo pelo humor. Igualmente mal desenvolvido parece ser o percurso de Dum – e nunca se percebe exactamente de onde é que saiu o nome Rapin nem porque é que o haveria de usar na foto. Estes pequenos defeitos seriam facilmente ignorados, se o filme se assumisse integralmente como uma comédia disparatada, não parecendo antes haver um conflito entre a comédia de acção, quase em modo cartoon, e o melodrama telenovelesco.
Em certos momentos, o realizador brinca com a manipulação do meio, de forma curiosa e eficaz, como quando a banda sonora muda da flauta para a harmónica, depois do presente de Rumpoey ser depositado junto a Dum, adormecido, ou com a introdução do flashback, apresentada em fita velha e degradada, que inclui saltos irritantes na canção que a acompanha. Uma mão cheia de canções, ao estilo popular da época, adornam o filme, colando umas sequências às outras, servindo de interlúdio entre momentos violentos ou românticos, ou contribuindo para definir o estado de espírito das personagens.
É de saudar que vá havendo espaço no nosso circuito comercial para títulos que contribuem para a diversidade da oferta de cinema, mesmo que seja certa a existência de propostas mais interessantes na Tailândia. Não sendo uma obra-prima, nem sequer ande lá por perto, a componente visual d' «As Lágrimas do Tigre Negro», aliada a algumas divertidas cenas de acção, poderá justificar uma ida à sala de cinema.
A versão original tailandesa inclui mais uns 6 minutos e, aparentemente, todas as cópias internacionais contêm a versão mais curta.
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