Sei Mong Se Jun/Ab-normal Beauty
Abnormal Beauty
死亡寫真 (sĭ wáng xiě zhēn)
Realizado por Oxide Pang Chun
Hong Kong, 2004 Cor – 101 min.
Com: Race Wong Yuen-ling, Rosanne Wong Yuen-kwan, Anson Leung Chun-yat, Michelle Mei Suet
horror thriller
Capa DVD
Jiney (Race Wong) e Jas (Rosanne Wong) são colegas na faculdade de Belas Artes e dedicam grande parte do seu tempo livre à fotografia. Ao presenciar um acidente mortal, Jiney fica, a princípio, chocada, mas não resiste a aproximar-se e a fotografar o corpo. O seu interesse pela estética da morte desenvolve-se e leva-a a procurar novos modelos e a adquirir livros dedicados à temática. No entanto, alguém que parece partilhar o mesmo hobby começa a segui-la e envia-lhe uma cassete com o que parece ser snuff — registo de tortura e homicídio.

Os irmão Pang são internacionalmente conhecidos por «Bangkok Dangerous» (1999) e «The Eye» (2002) — este último estreado em Portugal em 2003. Além do trabalho em conjunto, Oxide Pang Chun e Danny Pang Fat têm dirigido outras obras a solo: o primeiro assinou um segmento de «Bangkok Haunted» (2001) e «The Tesseract» (2003); o segundo «Nothing to Loose» (2002). Em 2004, os Pang produziram dois filmes: este «Ab-normal Beauty», realizado por Oxide, e «Leave me Alone», realizado por Danny. Há uma curiosa ligação entre as duas obras: o corpo que está prostrado na estrada e dá o mote ao início da arte mórbida por parte da personagem de Race Wong, foi atropelado pelo carro de Ekin Cheng Yee-kin, protagonista de «Leave me Alone». (1)

Ao analisarmos a obra de Danny e Oxide Pang parece ser possível chegar à conclusão que os projectos em nome individual ficam sempre aquém daqueles em que partilham os créditos de realização. Por virtude de terem começado a trabalhar na indústria cinematográfica, em Hong Kong e na Tailândia, noutras funções técnicas antes de se dedicarem à realização, os seus filmes denotam um tratamento estilizado a nível de imagem, design de som e montagem, uma conjugação de ingredientes usado para bom efeito em «The Eye» e na sua sequela. Quando trabalham sozinhos, parece ser mais fácil caírem em exercícios técnicos que se sobrepõem a um argumento coerente e ao trabalho dos actores — aquilo que se costuma definir como “forma sobre o conteúdo”. «Ab-normal Beauty» poderá ser o exemplo paradigmático: formalmente apurado, com uma montagem dinâmica e uma utilização dos efeitos sonoros para criar uma sensação de inquietude no espectador, o filme falha redondamente no plano narrativo.

2R Câmara escura
Jiney e Jas (as irmãs Race e Rosanne Wong, o duo pop 2R) procuram nas ruas de Hong Kong inspiração para as suas fotos.

Não deixa de ser curioso que se recorra a actores inexperientes, jovens e bonitinhos, que apelarão sobretudo a uma audiência juvenil, colocando-os num filme violento, com momentos de alguma crueldade (foi classificado Cat. III em Hong Kong). Talvez tivesse existido uma intenção de subverter as expectativas da audiência, mas os constrangimentos decorrentes do casting fazem-se notar. O papéis principais ficam a cargo das irmãs Wong da banda pop 2R (dois erres de Race e Rosanne). Talvez a opção não tenha sido a melhor, uma vez que o texto sugere uma relação homossexual entre as duas, pelo menos potencial. Há uma certa timidez em abordar frontalmente essa componente, mas poder-se-á deduzir que uma delas gosta exclusivamente de meninas e a outra simplesmente não aprecia a companhia masculina, na sequência de um trauma de infância. Talvez seja também o caso das personagens masculinas não oferecerem grande escolha: um miúdo desenxabido e um psicopata. Em todo o caso, uma relação mais clara entre as duas seria importante para o drama que se desejava criar, com consequências numa adequada resposta emocional do espectador nos momentos finais do filme, ao invés da relativa indiferença que gera, pelo menos no caso de quem escreve este texto.

1R Multi-ângulo
Em «Ab-normal Beauty» só há uma marca de máquinas fotográficas, preferida por estudantes de arte e psicopatas.

O filme não falha apenas com a viragem — não diria “twist” — no último segmento, mas desde logo com o processo psicológico de imersão na loucura por parte da personagem principal. Temos todos os ingredientes: o trauma de infância, as más relações familiares e o contacto com a morte, mas os actores não nos convencem e o drama não descola. O súbito fascínio mórbido de Jiney não surge com naturalidade e a linguagem do filme não ajuda. As visões durante a sessão de pintura lembram um filme de fantasmas e a facilidade com que pessoas começam a morrer em frente dela, para conveniência do texto, atentam contra a suspensão da descrença.

A entrada no tema dos “snuff movies” vem prolongar o nosso desinteresse. Nunca entramos na mente do homicida, que surge tardiamente apenas para gerar algum suspense sobre a sua identidade. A aproximação a Jiney, com base nos interesses comuns (a estética da morte), afere-se sem consequência relevante; avança-se para um confronto, resolução e o desvendar do “mistério”. É sobretudo com esta vertente que um certo mimetismo contribui ainda para que o drama e a violência sobre as personagens tenha um efeito reduzido. Já se fizeram muitos filmes sobre “snuff” e Pang Chun certamente viu uma boa quantidade. Também há por aqui memórias do «Massacre no Texas» (1974), algo que nos é lembrado pelo efeito sonoro utilizado no menu do DVD.

off
«Ab-normal Beauty» retém pouco mais do que a imagem e os cenários dos filmes que lhe serviram de inspiração, algo que poderia bastar para uma das cassetes enviadas pelo psicopata (montadas ao estilo do cinema dos Pang...), no meio de ruído e estática, mas não para suster toda a sequência na sala do horror. Falta informação, falta sustento dramático. A resolução do conflito é artificial e ridícula; confronte-se com o clímax de «Cut», o segmento de Park Chan-uk em «Three: Extremes» (2003), para um exemplo daquilo que Pang Chun talvez quisesse conseguir em termos de efeito-choque “dramaticamente justificado”.

1,5

(1) Para breves comentários a três dos filmes referidos consulte as seguintes análises a festivais: Sitges 2002Bangkok Haunted»), Sitges 2003The Tesseract») e Deauville 2003Nothing to Lose»).

O DVD de Hong Kong (R0) é uma das “boas” edições da Universe, tendo em conta que o distribuidor ainda lança e reedita filmes com transferências antigas sem remasterização. As edições de filmes novos, como é o caso, tendem a ter uma decente transferência anamórfica, mas continua a ser preciso estar atento. Som dts e Dolby 5.1. No entanto, há que anotar níveis de negro demasiado carregados. Making-of (12', legendas impressas em chinês tradicional), cenas apagadas (7' 30''), trailers (para outros filmes: «Leave me Alone», «The White Dragon», «The Attractive One»), galeria de fotos e biofilmografias. Não há legendas em inglês para os extras. A tradução do filme não é das melhores e a legendagem tem um pequeno defeito: de vez em quando, o texto é envolto em três pares de aspas, sem nenhuma razão para tal. Os créditos finais na cópia usado no DVD não incluem elenco, para além da referência à participação especial de Michelle Yim. No início creditam-se apenas os três actores principais.

publicado online em 21/02/04

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